O Portal da CTB inicia a publicação de textos que mostram as transformações pelas quais o trabalhador bancário passou nos últimos anos. Trata-se de um processo intensificado nos anos 90 – resultado da dominação do setor por grandes conglomerados financeiros, principalmente estrangeiros. A desnacionalização e a adoção de novos equipamentos nas agências, iniciada no final dos anos 60, mudou o perfil da categoria.
Por Osvaldo Bertolino
No dia 25 de julho de 1996, o então executivo brasileiro Henrique Meirelles foi chamado à sala de reuniões da sede mundial do Banco de Boston, nos Estados Unidos. Ali, numa sessão solene, ele recebeu oficialmente a notícia de que acabara de ser nomeado presidente mundial da instituição financeira.
Encerrada a cerimônia, os senhores engravatados daquela sala partiram para a comemoração – um jantar no restaurante da sede mundial do banco. Seis anos depois, em 2002, com Luis Inácio Lula da Silva já eleito presidente da República, ele foi chamado pelo então futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, para ser o presidente do Banco Central (BC) — cargo que ocupa até hoje.
A causa principal da ascensão fulminante de Meirelles está relacionada às transformações radicais que se iniciava no setor bancário. Sua trajetória meteórica neste período é reflexo da opção que os governos neoliberais – primeiro o de Fernando Collor de Mello, depois o de Fernando Henrique Cardoso (FHC) – fizeram para “modernizar” a economia brasileira — o processo de “estabilização monetária”, ancorado na ciranda financeira, tem nos bancos o seu principal pilar de sustentação.
Muro de arrimo brasileiro
O atual presidente do BC tornara-se, na presidência do Banco de Boston, o executivo brasileiro mais bem colocado e mais bem pago no mundo. Ele, que era presidente da filial brasileira do banco havia doze anos, encarnava como ninguém a “modernidade” anunciada com alarde desde a eleição de Collor à Presidência da República, em 1989. Nesse período, a subsidiária brasileira do Banco de Boston multiplicou por 45 o volume de seus ativos: de US$ 100 milhões, em 1984, para 4,5 bilhões em 1996.
No final da década de 80 e começo dos anos 90, quando o setor bancário norte-americano mergulhou numa de suas piores crises, os negócios latino-americanos (o Brasil, em particular) tornaram-se o muro de arrimo para os bancos estrangeiros — uma avaliação do insuspeito The Wall Street Journal. Isso explica porque o nome de Meirelles soou mais forte do que os de três outros candidatos norte-americanos que concorriam com ele.
Dinherama do Proer
Com a recessão provocada pelo Plano Collor e seu confisco, a demanda do mercado financeiro pendeu para o lado dos bancos tidos como mais seguros — os estrangeiros. Depois, logo após o Plano Real, a crise do sistema financeiro abalou ainda mais a credibilidade dos bancos privados brasileiros. Ponto para os estrangeiros, como o Citibank e o Boston.
No final de 1995 veio a dinherama do Proer — uma mamata de mais de US$ 20 bilhões drenada dos cofres públicos para evitar uma quebradeira generalizada dos bancos. O Proer foi um instrumento que contribuiu para consolidar o Plano Real — que tinha nos bancos o seu principal sustentáculo. Uma corrida aos guichês bancários naquele momento teria efeitos funéreos para o projeto neoliberal.
Santander entra na tourada
O saldo desta metaformose foi o fechamento de alguns bancos e a adequação do setor ao novo cenário — redesenhado pela predominância dos grandes grupos. Boa parte da geografia bancária foi ocupada pelos conglomerados estrangeiros. O símbolo desta ocupação é o Santander, cuja disseminação por vários países e, principalmente pela América Latina, presta-se bem a uma investigação dos efeitos de sua distribuição espacial no território brasileiro.
O Santander, maior grupo financeiro da Espanha, do qual muita gente nunca tinha ouvido falar antes, entrou na tourada - saiu comprando bancos por aí. Ao ir às compras, mostrou a que veio: transformar-se num nome conhecido no Brasil e num dos maiores bancos do país. Primeiro, o grupo abocanhou o Banco Geral do Comércio, do grupo Camargo Corrêa. Depois, foi a vez do Noroeste, das famílias Cochrane e Simonsen. Mais tarde, levou o Banespa — o ex-banco estatal paulista que simboliza bem a trama montada pelos neoliberais para entregar as instituições financeiras dos Estados aos grupos privados.
Padronização e homogeneização
Reforçado, o Santander passou a dominar o setor ao lado de gigantes como os brasileiros Itaú e Bradesco, e com concorrentes internacionais do porte do HSBC, do Citibank e do ABN Amro Bank. Este novo mundo organizacional bancário trouxe consigo uma abrupta precarização do trabalho. “As agências bancárias hoje são postos de vendas dos grupos financeiros”, diz Eduardo Navarro, presidente da Federação dos Bancários da Bahia e de Sergipe e diretor ajunto de finanças da CTB. “O cliente assumiu um papel de destaque, desencadeando todo o processo de trabalho nas agências”, explica.
O perfil do bancário atual é muito parecido com o do trabalhador do comércio — o banco é uma grande loja com suas vitrines coloridas e seus vendedores radiantes cumprindo metas de vendas de produtos. “Houve uma elitização do acesso ao sistema com a transferência do pagamento de contas para as lotéricas”, diz Navarro. O controle do processo de trabalho passou a ser mais intenso devido à distribuição das agências pelo extenso território brasileiro. “Daí a padronização e homogeneização dos procedimentos pelos inúmeros manuais de instrução e normas internas”, afirma.
Reestruturação operacional
Outra característica da degradação das condições de trabalho apontada por Navarro é a adoção de novos equipamentos nas agências — uma tendência iniciada no final dos anos 60 quando foram criados os Centros de Processamento de Dados (CPDs) que agilizavam o “setor de retaguarda”. No início dos anos 80, foi a vez da automação do setor de “vanguarda”, com a implantação do sistema online que ligou os terminais locados nas agências com os CPDs — constituindo a rede online do banco e a informatização de todos os setores.
A área de marketing e campanhas publicitárias, juntamente com a modernização do layout das agências, completou um projeto estratégico mercadológico de tratamento da imagem dos bancos como instituições modernas e eficientes. A última etapa do processo de automação foi no início dos anos 80, com o surgimento dos caixas automáticos, do telemarketing e dos home banking. A reestruturação operacional do setor reduziu níveis hierárquicos, implantou programas de qualidade total, flexibilizou relações de trabalho e lançou mão de trabalhadores terceirizados em grandes escala.
Trabalho estressante
Navarro explica que as transformações do setor bancário dos anos 90 trouxeram uma aceleração do redesenho da organização do trabalho bancário. “Muita gente foi demitida e novas formas de uso e gestão da força de trabalho resultaram numa degradação das condições trabalho muito grande”, diz ele. “A terceirização implica numa desqualificação do trabalhador bancário e praticamente acabou com chamado domínio do saber da profissão”, afirma Navarro. Segundo ele, a sobrecarga de trabalho é outro elemento que contribui para o desgaste físico e mental da categoria.
O trabalho bancário sempre foi estressante. Desde a reforma do setor em 1968, o volume de serviços prestados pelos bancos cresceu intensamente. A economia se dinamizou e com a diversificação dos serviços prestados os bancos passaram a receber tributos e contribuições da Previdência Social, a fazer operações de cobrança, venda de seguros, administração de diferentes tipos de investimentos e a oferecer linhas de crédito - entre outros serviços.
Tarefas não prescritas
Com a automação iniciada nos anos 80 e o progressivo corte de pessoal, no entanto, os bancos passaram a concentrar a execução de uma gama complexa e diversificada de atividades em poucos funcionários com conhecimentos do trabalho bancário. “Ocorreu uma tendência a diminuição dos níveis hierárquicos para dois níveis - ou seja, as funções de gerentes e atendentes”, explica Navarro. Segundo ele, as funções de atendentes também estão sendo reduzidas e tendem a se diluírem em equipes de vendas e negócios.
Para cumprir suas novas funções, o bancário precisa de conhecimento sobre o mercado financeiro, domínio de tecnologia para realização de simulações financeiras, habilidade de relacionamento com clientes e com a equipe de vendas e precisaria saber lidar com tarefas não prescritas, diferentemente das exigências anteriores nas quais deveria seguir fielmente o manual. “Muitas vezes os treinamentos são feitos fora do horário de trabalho e em finais de semana”, denuncia Navarro.
Funções fragmentadas
Mudanças significativas no status da profissão de bancário também implicam em uma sobrecarga de responsabilidade para a categoria. “Grande parte dos processos de requalificação, que anteriormente eram oferecidos pela empresa, passaram a ser de responsabilidade do trabalhador e tornaram-se pré-requisitos para promoções, novas contratações e até para a sua manutenção no emprego”, diz Navarro. “As exigências são tantas e a remuneração tão baixa que o bancário de profissão está desaparecendo”, afirma.
Segundo Navarro, o trabalhador que conhecia todo serviço bancário passou a ser um funcionário que reponde por funções polivalentes e com altas taxas de rotatividade. “Em geral, o trabalho é exercido por jovens sem expectativas de permanecer na atividade - o que contribuiu para a degradação da profissão”, diz ele. Esta é uma das fontes dos lucros exorbitantes que as instituições financeiras no Brasil vêm conseguindo desde os anos 80. Há outras, que igualmente implicam em degradação do trabalho bancário – assunto do próximo texto.
Fonte: Portal CTB
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