O mundo presencia e vive neste momento os impactos da mais grave crise econômica do sistema capitalista e imperialista internacional desde a Grande Depressão dos anos 1930. A crise eclodiu nos Estados Unidos quando rebentou a bolha imobiliária, em meados do ano passado, encerrando um ciclo de frágil e curta expansão da economia norte-americana, iniciado em novembro de 2001. Irradiada pelo centro imperial, a turbulência financeira contagiou todo o globo, traduzindo a importância extraordinária do mercado americano para a circulação e reprodução do capital em escala planetária.
A análise dos fatos evidencia que a tormenta que abala a economia mundial, com epicentro nos EUA, não é casual nem deve ser atribuída apenas aos excessos de especulação e de acumulação de capital fictício. Decorre das contradições internas que presidem o processo regular de produção capitalista, cabendo destacar o conflito que se verifica entre o crescimento das forças produtivas e a capacidade reduzida de consumo da classe trabalhadora, que em sua evolução gera o fenômeno da superprodução de capital-mercadoria e excesso de capacidade industrial instalada. A superprodução de imóveis e de automóveis, para citar dois casos notórios, ilustra bem esta verdade.
Limites do capitalismo
É importante identificar as causas mais profundas da crise porque elas sinalizam os limites históricos do capitalismo e despertam a necessidade de substituí-lo por um sistema social mais avançado, o socialismo. As crises econômicas, cíclicas, têm caráter objetivo. Verificam-se periodicamente e são inevitáveis sob o capitalismo. Por esta razão, é ilusão supor que a sociedade vai encontrar uma solução definitiva e progressista para as crises nos marcos do capitalismo. Daí se deduz a necessidade histórica do socialismo e a atualidade desta grande bandeira da classe trabalhadora e do movimento sindical classista.
É importante levar em conta o contexto histórico singular em que se desenvolve a crise. Esta transcorre nos marcos do desenvolvimento desigual das nações, pelo qual ganhou impulso nos últimos anos, de um lado, o declínio da liderança econômica dos EUA no mundo, corrompida pelo déficit comercial, e, de outro, a ascensão de outras potências no cenário internacional, nomeadamente a China. Por força do desenvolvimento desigual, observa-se um progressivo deslocamento do eixo dinâmico da industrialização e do poder econômico mundial, da América do Norte e da Europa para a Ásia.
Crise da Pax americana
Desta forma, a crise econômica cíclica se entrelaça com outro problema de dimensão internacional, a crise da hegemonia dos EUA, que tem um caráter estrutural e desperta, entre os povos, a demanda por uma nova ordem econômica mundial para superar os desequilíbrios e instabilidade da atual, remanescente dos acordos de Bretton Woods e fundada na supremacia do imperialismo estadunidense e do dólar.
Os fatos recentes provam a falsidade da ideologia e o caráter perverso das políticas neoliberais impostas pelo imperialismo americano, combatidas e denunciadas com vigor pela nossa FSM e pelo sindicalismo classista ao longo dos últimos anos. A crise também reflete a acumulação e o amadurecimento de contradições emanadas das políticas neoliberais, em especial, mas não só, da desregulamentação do sistema financeiro.
Contradição produção/consumo
Se, de um lado, o aumento da taxa de exploração ou de mais-valia, o desemprego, associado à redução de direitos sociais e à crescente precarização das relações trabalhistas acarretadas pela chamada globalização neoliberal, elevaram as taxas de lucros das empresas, de outro reduziram significativamente o poder aquisitivo da classe trabalhadora e potencializaram, deste modo, a contradição entre o crescimento da produção e a capacidade de consumo da população trabalhadora e da sociedade em seu conjunto em todo o mundo capitalista.
Ou seja, a depreciação do trabalho agravou a crise de superprodução de capitais e mercadorias. Um balanço objetivo da evolução econômico-social das três últimas décadas mostra que o neoliberalismo não favoreceu o desenvolvimento das forças produtivas e foi em muitos aspectos uma negação neste sentido, especialmente nos países mais pobres e dependentes, sujeitos à dieta recessiva do FMI.
Oportunidade
A crise oferece ao movimento sindical uma oportunidade ímpar para denunciar, perante a classe trabalhadora e a chamada opinião pública, as contradições e mazelas do capitalismo e a necessidade história de lutar por sua destruição e substituição, mesmo porque sua sobrevida ameaça a humanidade com um futuro de barbárie, novas crises e guerras. Crises como a atual acentuam a tendência do sistema capitalista-imperialista ao reacionarismo e obscurantismo político. É nossa obrigação levantar bem alto, no primeiro plano da propaganda sindical classista, a bandeira do socialismo como alternativa à barbárie capitalista.
Os acontecimentos em curso realçam o fracasso do neoliberalismo. Embora não signifiquem necessariamente o seu fim, contribuem para seu enfraquecimento e podem reforçar a luta por outros projetos de desenvolvimento, fundados na soberania dos povos e na valorização de trabalho, com base na igualdade e respeito à Natureza, como meio de fortalecimento dos mercados internos e prevenção da superprodução cíclica, o que pode abrir caminho ao socialismo e ao fim da exploração do trabalho pelo capital.
Avidez por trabalho excedente
Em primeira e última instância, a crise é inerente ao capitalismo e sua causa está associada à ganância dos capitalistas por lucro máximo, personificação da avidez do capital por trabalho excedente, conforme já observou Karl Marx. O trabalho excedente ou a mais-valia é a substância do lucro e o motor da reprodução ampliada do capital, mas é ao mesmo tempo o fator subjacente às crises de superprodução, pois limita o poder aquisitivo do povo, fazendo com que a produção de mercadorias cresça exageradamente além da capacidade de compra, rompendo a necessária unidade entre produção e consumo.
A classe trabalhadora é quem mais sofre os dramáticos efeitos sociais da crise. Esta verdade transparece em fatos como a destruição de mais de 533 mil postos de trabalho em um único mês (novembro) nos EUA. As notícias sobre demissões em massa se multiplicam e não se limitam ao país-sede da crise, alastram-se por todo o globo. A OIT estima que 20 milhões de novos pessoas vão engrossar o já fabuloso exército de desempregados que perambula pelo mundo, elevando o estoque de desocupados para 210 milhões. Esta projeção pode se mostrar otimista no futuro se as coisas continuarem correndo como hoje.
Milhões no olho da rua
Só os EUA devem encerrar 2002 com mais de 2 milhões de novos trabalhadores e trabalhadoras no olho da rua. Cabe destacar que nas potências capitalistas castigadas por uma severa recessão (EUA, União Européia e Japão) a crise discrimina e elege entre os imigrantes suas primeiras e maiores vítimas. Seleciona também as mulheres, os jovens, os negros e as minorias étnicas.
Em momentos como este, os capitalistas esquecem as idéias neoliberais e apelam à mão forte do Estado para evitar e socializar prejuízos a pretexto de salvar o sistema, agindo como se os seus interesses particulares correspondessem aos interesses gerais da sociedade, o que não é verdade.
Estado a serviço dos capitalistas
Os governos subordinados aos interesses do capital, notoriamente avarentos com as demandas dos movimentos sociais, se revelam inusitadamente liberais, irresponsáveis e generosos com os fabricantes de crises, mobilizando trilhões de dólares em operações resgate de duvidosa eficácia no combate à crise, contraindo dívidas e agravando déficits. Na crise transparece com maior nitidez o verdadeiro caráter de classe do Estado capitalista, reiteradamente negado e mascarado pela propaganda burguesa.
Os interesses da classe trabalhadora são solenemente ignorados e há uma forte tendência de criminalizar as lutas sociais. Nos EUA, por exemplo, o plano Bush não destinou um só tostão aos milhões de trabalhadores e trabalhadoras que perderam seus empregos e, muito deles, suas casas. O desespero das famílias proletárias não faz eco na Casa Branca, embora tenha ajudado a eleger Barack Obama. Na Europa não é diferente. O Estado capitalista é acionado para proteger os bancos e as grandes empresas, os interesses do capital e não do trabalho.
Plataforma unificada
O fato é que a classe trabalhadora não pode confiar o seu destino aos governos da burguesia. Impõe-se a luta enérgica em defesa do emprego, do salário e dos direitos sociais. O movimento sindical classista tem uma grande responsabilidade neste sentido. É preciso buscar a mais ampla unidade dos sindicatos e da classe trabalhadora em torno de uma plataforma comum para enfrentar a crise e proteger o emprego e os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras.
Ganha relevância, nestas condições, reivindicações como a redução da jornada sem redução de salários, proibição de demissões em massa, ratificação e efetiva aplicação da Convenção 158 da OIT, ao lado do aumento dos investimentos públicos para elevar a oferta e criar novos postos de trabalho.
Defesa da soberania
Ao lado da luta de classes, é preciso estar atento à chamada questão nacional, que com ela se entrelaça. A crise agrava as contradições entre as potências imperialistas e as nações economicamente mais frágeis, onde os custos sociais das perturbações econômicas costumam ser bem mais drásticos, em função das manobras dos países ricos para impor o custo da crise aos mais pobres.
A crise também já chegou ao Brasil, alterando o humor dos capitalistas, que redobraram a ofensiva para reduzir direitos e iniciaram o processo de demissões em massa .As multinacionais do setor automobilístico acumularam grandes lucros nos últimos anos e enviaram 4,8 bilhões de dólares para suas matrizes no exterior (a título de lucros e dividendos) somente entre janeiro a setembro deste ano e agora começaram a demitir e pretendem reduzir direitos. Tais valores, originados pelo trabalho excedente de toda a sociedade, poderiam garantir, com sobra, a estabilidade no emprego e a redução da jornada sem redução de salários, evitando demissões.
Em defesa dos interesses da classe trabalhadora, urge taxar fortemente e restringir essas remessas, que só agravam, a crise. No caso da América Latina, a defesa dos interesses da classe trabalhadora requer a intervenção positiva no processo de integração econômica e política dos países da região, de forma não só a apoiar o fortalecimento das iniciativas e instituições envolvidas no processo como também pressionar para que se imprima à integração um conteúdo social mais avançado.
Unidade latino-americana
A crescente unidade dos países latino-americanos é expressão de uma mudança promissora do cenário político na região, cujo marco foi fincado 10 anos atrás, em 1998, com a primeira eleição de Chávez na Venezuela. É preciso intensificar a solidariedade internacionalista em apoio às forças progressistas e governos que buscam abrir caminho para transformações sociais mais profundas e enfrentam forte pressão do imperialismo, caso de Cuba, sujeita a um bloqueio criminoso, Venezuela, Bolívia, Equador e Paraguai. É igualmente indispensável combater o militarismo crescente e as guerras imperialistas no Iraque e no Afeganistão, levantando a bandeira da paz e da justiça social. A denúncia da xenofobia e o apoio ativo aos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes está na ordem do dia.
Avançando na unidade e na luta, em estreita aliança com os movimentos sociais e as forças políticas progressistas, e enfatizando o internacionalismo o sindicalismo classista pode dar uma contribuição decisiva para a elevação do protagonismo da classe trabalhadora nas grandes lutas políticas, o que além de garantir melhor a proteção dos interesses imediatos das categorias que representam ajudará a abrir caminho para a conquista de objetivos estratégicos, mais avançados, como a superação revolucionária do capitalismo e conquista do socialismo.
Concluo citando uma antiga e atualíssima consigna classista: trabalhadores de todos os países, uni-vos!
Muito obrigado.
*João Batista Lemos - Secretário adjunto de Relações Internacionais da CTB. Intervenção feita no Seminário Internacional sobre globalização e Direitos dos Trabalhadores, promovido pela Federação Sindical Mundial (FSM) em Lisboa dias 15 e 16 de dezembro