quinta-feira, 11 de novembro de 2010

LULA ATACA O DÓLAR E DEFENDE MOEDA ALTERNATIVA NA CÚPULA DO G20

Umberto Martins*

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta quinta-feira (11) a discussão, na cúpula do G20, de alternativas ao dólar como moeda de livre curso nas transações econômicas internacionais, hoje marcadas pela instabilidade decorrente dos desequilíbrios da economia norte-americana e perturbadas pela chamada guerra cambial.

Lula lembrou que os países que compõem o BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) já estão debatendo o assunto. "Desde o ano passado, estamos chamando o BRIC para substituir o dólar nas transações. É um trabalho de convencimento", comentou.

Tema polêmico

O tema é polêmico, já que está em xeque a liderança econômica dos EUA no mundo e certamente isto não agrada Washington. Mas a necessidade de encontrar um substituto para o dólar nas transações econômicas internacionais ganhou força com a emergência da crise nos Estados Unidos no final de 2007 e as ações do Estado para debelá-la.


A Casa Branca incorreu num deficit colossal, de US$ 1,6 trilhão em 2009, estimando-se ainda que entre 2010 e 2020 o rombo acumulado nas contas públicas chegue a US$ 8,5 trilhões. Em conseqüência, a dívida pública (líquida) explode e se aproxima de 100% do PIB. Neste ano, o deficit deve ficar em torno de 10% do PIB. 

Notemos que a direita neoliberal ainda reclama no Brasil (um país que exibe superavit primário, inclusive durante a crise, e com a relação dívida/PIB caindo, hoje em torno de 40%) da suposta “gastança” do governo, alardeando a necessidade de cortes dos gastos e “ajuste fiscal”, que a presidente eleita Dilma Rousseff sabiamente descartou.

Deficits gêmeos

Entrelaçados com o déficit fiscal, Tio Sam também cultiva rombos já históricos na balança comercial e nas transações correntes. A sociedade estadunidense não dispõe de renda ou poupança própria para financiar o excesso de consumo traduzido no déficit comercial. Depende, e cada vez mais, do resto do mundo.

Ao longo dos últimos anos os desequilíbrios comercial e fiscal do império foram financiados com a reciclagem dos superavits em conta corrente obtidos pela China, Alemanha, Japão e outros países, que investiam os lucros extraídos no comércio exterior em títulos do Tesouro dos EUA e noutros ativos do país.

Este esquema de financiamento, enaltecido por muitos economistas como uma prova de simbiose e de um “círculo virtuoso” nas relações entre China e EUA, começou a dar água com a crise. Além de ampliar o déficit público, Tio Sam decidiu imprimir dinheiro para comprar títulos governamentais detidos pelos bancos a pretexto de estimular a economia.

Chuva de reclamações

Em função da posição especial do dólar como moeda de curso internacional, que não circula apenas nos EUA, as impressões levadas a cabo pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA, que acaba de anunciar a derrama de mais 600 bilhões de dólares), estão inundando outros países, provocando forte depreciação do dólar, inflação das commodities e desalinhamento cambial.

A valorização excessiva de algumas moedas nos chamados emergentes, com destaque para o real brasileiro, ameaça a indústria local e induz os países a reações unilaterais para proteger sua produção, evitando a valorização excessiva do câmbio. É isto que, conforme notou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, configura a guerra cambial.

A reunião do G20 revelou uma chuva de reclamações contra o unilateralismo de Washington, que não parece preocupado com a repercussão negativa de suas políticas. O problema é que não se pode negar aos EUA o direito soberano de praticar a política econômica que entende ser mais adequada aos seus interesses.

Multimoeda

Os fatos sugerem que, deprimido pelos deficits público e em conta corrente do império, o dólar já não está em condições de exercer as funções de moeda mundial sem que isto resulte em instabilidade e desalinhamento cambial. A necessidade de substituí-lo adquire um caráter objetivo para as nações. Não se trata de uma mera prelação ideológica.

É necessário abrir caminho a um novo sistema monetário internacional. Ao longo de 2008, a China ameaçou apresentar uma proposta neste sentido ao G20, mas recuou depois de entendimentos com os Estados Unidos. 

A ideia dos chineses ia no rumo de uma moeda multinacional, ao estilo dos Direitos Especial de Saque do FMI (DES), referenciados no dólar, euro, iuan, libra esterlina e iene. Algo parecido foi proposto pelo Brasil, através do ministro Mantega e do presidente Lula.

Herança neoliberal

Além do problema da nova moeda, que provavelmente não será resolvido em Seul, a “guerra cambial” desperta o debate sobre as diferentes políticas para o câmbio. É hora de questionar, no Brasil, a opção pelo câmbio flutuante, herança neoliberal que o atual governo teima em preservar como um dogma inatacável.

Os países que mantêm o câmbio sob controle, como China e Argentina, entre outros, defendem melhor os interesses de suas indústrias contra o derrame de dólares promovido pelos Estados Unidos. Em vez de atacar a China, que apenas se defende com prudência e sabedoria, o Brasil tem mais a ganhar seguindo o exemplo soberano do governo comunista de Pequim, abandonando o luxo do câmbio flutuante, reduzindo a taxa de juros e impondo rigoroso controle sobre os fluxos de capitais, conforme preconiza o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo.

Protesto

A cúpula de Seul foi alvo de novo protesto dos movimentos sociais na Coreia do Sul nesta quinta (11). Os manifestantes gritaram palavras de ordem contra o G20, pediram a estabilidade no emprego, uma distribuição mais justa da riqueza, fim dos acordos de livre-comércio da Coreia do Sul com a União Europeia e os EUA e que os bancos não sejam resgatados com o dinheiro público e da classe operária. O ato foi reprimido pela polícia.

As lideranças envolvidas na manifestação estão cobertas de razão. O G20 é um grupo fechado e excludente. Foi criado em 1999 por iniciativa dos EUA, que queriam cooptar os chamados “emergentes” em apoio à política das potências capitalistas reunidas no antigo G7. Não se deve esperar muito de tal fórum. 

*Umberto Martins é Jornalista, membro da Secretaria Sindical Nacional do PCdoB

Fonte: Vermelho

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