segunda-feira, 1 de novembro de 2010

QUEM É DILMA, A CARTA QUE LULA TIROU DA MANGA

Tereza Cruvinel*

Dilma Vana Rousseff já teve muitas vidas, muitos nomes e muitos projetos de vida. O que ela nunca imaginou é que seria a primeira mulher brasileira a conquistar, pelo voto, o mais alto cargo da República, até agora ocupado só por homens. Ela foi eleita presidente com 55,5 milhões de votos, correspondentes a 56,01% dos votos válidos, derrotando José Serra, do PSDB, que teve 43,606 milhões de votos, ou 43,99% do total de votos válidos (com 99,56% das urnas apuradas).

Muita gente, dentro e fora do governo, também achava que isso seria impossível: embora a política tenha marcado toda a sua vida, Dilma nunca havia disputado antes uma eleição.


“Dilma não tem jogo de cintura eleitoral”, “Dilma é durona e carrancuda”, “Dilma é uma técnica sem carisma”. “Dilma não tem trânsito entre os partidos e os políticos”. Tudo isso e muito mais foi dito sobre a então ministra-chefe da Casa Civil, quando, ainda em 2008, começou a circular a notícia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pensava nela como candidata a sua sucessão.

No segundo mandato, a aprovação do governo e a popularidade do presidente Lula alcançaram índices inéditos, e isso foi possível porque, depois de ajustar as contas públicas no primeiro mandato, a política econômica, combinada com a política de distribuição de renda e os programas sociais, começou a produzir excelentes resultados: a economia crescia, gerava mais empregos, a renda dos mais pobres aumentava, a desigualdade diminuía, o país se tornava melhor internamente e mais respeitado lá fora. Na era Lula, cerca de 28 milhões de pessoas deixaram a pobreza extrema e ascenderam socialmente.

Mas esse paraíso político foi precedido de um inferno zodiacal. No primeiro mandato esses resultados ainda não haviam aparecido. Além de ter feito um ajuste fiscal necessário, mas que atrasou a retomada do crescimento, o governo enfrentou escândalos que minaram a popularidade de Lula e do PT.

Os nomes fortes do partido, que poderiam ter sido alternativas sucessórias para 2011, foram todos queimados nas crises do primeiro mandato. José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil, foi cassado no escândalo do mensalão, e o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci foi alvejado pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo. 

Na substituição de Dirceu, Lula surpreendeu a todos ao descartar quadros políticos do PT e dos partidos aliados e convidar Dilma, então ministra de Minas e Energia, de perfil eminentemente técnico. Lula pediu-lhe um choque de gestão na Casa Civil e uma atuação mais gerencial e menos política. Era exatamente o que ela sabia fazer.

Mas esta não foi a primeira vez que Lula surpreendeu com o nome de Dilma. Ele a conhecera no Rio Grande do Sul, como secretária de Minas e Energia do governo do petista Olívio Dutra. Na montagem do primeiro ministério, em 2002, ele desautorizou um acordo já fechado por seu coordenador político José Dirceu com o PMDB e entregou a ela a pasta de Minas e Energia.

Ali, Dilma trabalhou duro para evitar um novo apagão elétrico, como o que houvera no governo de Fernando Henrique, desenvolveu o Programa Luz para Todos, planejou a construção de novas hidrelétricas e a diversificação da matriz energética brasileira. Essa dinâmica é que Lula queria na Casa Civil. E Dilma não o decepcionou. Passou a coordenar as ações de todo o governo e ganhou fama de durona. “Até parece que vivemos cercadas por homens meigos e delicados”, ironizou Dilma na época. 

A ministra havia brigado pela redução do superávit fiscal para que sobrassem mais recursos para investimentos em obras de infraestrutura, que criam as bases para o crescimento de longo prazo, aquecem a economia e geram empregos. No final do primeiro mandato, já havia dinheiro para isso e ela elaborou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pedido por Lula. 

O programa foi lançado em janeiro de 2007, nos primeiros dias do segundo mandato. O PAC previa investimentos de R$ 500 bilhões em quatro anos, em grandes obras de infraestrutura, como portos, ferrovias e hidrelétricas, gastos com obras em favelas e o financiamento habitacional maciço, como o programa Minha Casa, Minha Vida.

Foi na inauguração de obras de saneamento e habitação numa favela do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão, no dia 7 de março de 2008, que Lula começou a escolher sua sucessora. "A Dilma é uma espécie de mãe do PAC. É ela que cobra, junto com o Marcio Fortes [ministro das Cidades], se as obras estão andando. e agora vocês também vão ver o que é ser cobrado pela Dilma."

Em recente entrevista à TV Brasil Internacional, Lula nos contou, no intervalo da gravação, que naquele dia começou a amadurecer a ideia de que Dilma poderia ser a candidata que ele não tinha para a sucessão que se aproximava. A oposição tinha dois nomes fortes, Aécio Neves e José Serra, ambos já provados nas urnas. 

Dilma não tinha experiência eleitoral, mas representava uma novidade. Era mulher, pensava o presidente. Se conseguisse transferir para ela uma parte de sua imensa popularidade, poderia elegê-la.

Ela surpreendeu-se com a confidência, mas não recusou a ideia. Dilma sabia de todas as dificuldades que seu nome enfrentaria, inclusive dentro do PT. Lula tratou disso com os dirigentes do partido. Dilma não era mesmo um quadro histórico, mas o partido também não tinha outro nome. Quem tinha a força era Lula e sua indicação foi prontamente aceita. O PT a escolheu oficialmente em fevereiro deste ano. Dilma deixou o governo, juntamente com dez ministros, em 31 de março para enfrentar a aventura eleitoral.

Muitos nomes, muitas Dilmas 

Mas quem é esta mulher que, tendo pensando em ser bombeira ou trapezista, tendo enfrentado a prisão e a tortura por causa de suas ideias políticas, mas nunca tendo disputado uma eleição, torna-se a primeira presidente do Brasil?

Embora não tivesse mesmo disputado qualquer eleição antes, a política sempre foi o motor da vida de Dilma. Sua atuação começou no movimento estudantil, no segundo grau e depois na universidade, combatendo a ditadura militar. A militância a levará para a clandestinidade e para a prisão. Enfrentará a tortura nos porões do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e três anos de reclusão no Presídio Tiradentes. 

Tudo começou em Belo Horizonte, onde ela nasceu em 14 de dezembro de 1947. Seu pai, Pedro Rousseff, foi um imigrante búlgaro. Chegou ao Brasil nos anos 30, casou-se com uma professora chamada Dilma e tiveram três filhos, formando uma típica família de classe média.

Dilma, a mais velha, estudou primeiro num colégio de freiras tradicional, o Sion, onde tomou gosto pelos livros, principalmente os de literatura. Há pouco tempo, ficou sabendo que só ela e mais três colegas do Sion seguiram carreiras profissionais. As outras tornaram-se donas de casa, como era o costume.

No ano de 1964, em que os militares derrubaram o presidente João Goulart, dando início à ditadura, Dilma entrou para o Colégio Estadual Central, foco da agitação estudantil secundarista da capital mineira. Três anos depois passa no vestibular para economia, na UFMG, e ingressa na organização esquerdista Polop, tornando-se uma líder estudantil importante, culta e combativa. 

Nesse tempo aconteceram coisas importantes na vida de Dilma. Conquistou amigos que tem até hoje, como o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, e o hoje deputado José Aníbal, do PSDB. Namorou com Cláudio Galeno e com ele teve um casamento que durou pouco. A vida agitada e o mergulho que foi obrigada a dar na clandestinidade não ajudaram. 

Nessa época, a Polop se transforma em Colina (Comando de Libertação Nacional), que irá se fundir com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), formando a VAR-Palmares. A VAR-Palmares fez algumas ações armadas contra a ditadura, mas Dilma, que atuava em estratégia e planejamento, não participou de nenhuma delas. Na campanha, entretanto, essa passagem de sua vida foi muito explorada.

Na clandestinidade, como mandavam os manuais de segurança, Dilma usou vários codinomes. Chamou-se Luiza, Wanda, Marina, Estela, Maria e Lúcia. Separa-se de Galeno, que vai para o exílio, e conhece Carlos Franklin de Araújo, que vem a ser seu segundo marido e pai de sua filha Paula. 

Em 1970, Dilma é presa e brutalmente torturada durante várias semanas. Depois é condenada a três anos de reclusão, tempo em que passou sobretudo no Presídio Tiradentes, onde o marido Carlos Araújo também cumpria pena em outra ala. Três anos depois, após serem libertados, constroem uma vida juntos no Rio Grande do Sul, onde nasce Paula, que no final do primeiro turno, dará a Dilma seu primeiro neto, Gabriel.

Em Porto Alegre, já em liberdade, Dilma consegue terminar o curso de economia e a seguir cursa o mestrado. Atua, com o marido, nos movimentos pela anistia e pela redemocratização. Ajudam a fundar no estado o PDT de Leonel Brizola.

Em 1986, o pedetista Alceu Collares elege-se prefeito de Porto Alegre e convida Dilma para ocupar a Secretaria Municipal de Fazenda. Collares elege-se governador em 1990 e ela se torna secretária estadual de Minas, Energia e Comunicação.

O governo de Collares era fruto de uma aliança entre o PDT e o PT, que se romperá em 1994. Dilma faz então a opção pelo PT, filiando-se ao partido. Outra aliança que se rompe nessa época é a matrimonial. Separa-se do marido Carlos Araújo, embora preservem grande amizade e cumplicidade até hoje. Foi como secretária de Minas e Energia que Dilma conheceu Lula e despertou seu interesse, valendo-lhe, mais tarde, a nomeação para a pasta de Minas e Energia.

Um câncer no caminho

A caminhada para a Presidência não foi fácil. Com a candidatura já definida por Lula e aceita pelo PT, Dilma descobre, no inicio de 2009, que tinha um câncer linfático. O anúncio da doença, no dia 25 de abril, foi uma decisão corajosa.

No primeiro momento, a candidatura foi dada como inviável. Ela poderia não vencer a doença e, mesmo que vencesse, o eleitorado poderia rejeitar seu nome, temendo o pior. Os médicos garantem chances de cura superiores a 90%. Dilma faz sessões de quimioterapia, perde o cabelo e usa peruca por uns tempos, sem interromper a rotina de trabalho na Casa Civil. No final do ano, os médicos a declaram curada.

No final de 2009, a sua saúde vai bem e a popularidade do presidente, melhor ainda. Dilma volta a um hospital, mas agora para cuidar da imagem. O conselho fora de Lula. Ela faz uma plástica e reaparece em público, em 2010, com a fisionomia mais jovem e descansada. Está começando a batalha eleitoral.

Mas ela começa em desvantagem. Em fevereiro deste ano, tinha uma média de 28% de preferência e José Serra, do PSDB, sempre mais de 40%. O primeiro empate acontece em maio deste ano, mas surge um fator inesperado – o crescimento da candidatura de Marina Silva, que trocara o PT pelo PV.

A campanha começa para valer em agosto e o presidente Lula entra em campo, garantindo a transferência de votos de que muita gente duvidava. Em 15 de maio deste ano, o instituto Vox Populi divulga a primeira pesquisa em que Dilma, com 38%, ultrapassa José Serra, com 35%.

Diferentes institutos apontam a vitória de Dilma no primeiro turno de 3 de outubro por mais de 50% dos votos, mas ela obtém apenas 47% dos votos. Os analistas apontam duas causas para o segundo turno. O crescimento da candidata Marina Silva, do PV, e uma forte onda de boatos, inclusive pela internet, acusando Dilma de ser a favor do aborto e do casamento entre homossexuais. Ela perde milhões de eleitores entre católicos e evangélicos. 

No segundo turno, a campanha é agressiva, os candidatos sobem o tom nos debates e o presidente Lula volta à arena eleitoral. Mas desta vez ela alcança a maioria necessária e torna-se a primeira presidente eleita do Brasil.

*Tereza Cruvinel é jornalista e presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)

Fonte: Vermelho

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