Mudanças só ocorrem com luta e mobilização
Entrevista do Vermelho
O deputado federal Assis Melo (PCdoB-RS) é um político que se posiciona contra a terceirização e defende uma ampla conversação com centrais, inclusive a CTB, sobre o tema. Ele integra a Comissão Especial sobre Trabalho Terceirizado, que debate a regulamentação dessa forma de vínculo empregatício.
A luta de Assis, que é também presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul, pode ser a mais árdua da sua longa trajetória como militante pelos direitos do trabalhador: encarar prisões, como ele fez recentemente, com certeza é mais fácil do que extirpar a terceirização do mercado. Mas o deputado não desiste: terceirizar é precarizar, afirma, não é alternativa para o trabalhador.
Assis acredita em luta e mobilização para transformar a realidade: “Defendemos uma nova sociedade, a sociedade socialista. Agora, se vão me perguntar se isto está longe ou perto, bom, isto vai depender da nossa condição de convencimento, de mobilização e de luta do povo. Isto não virá sem a luta do povo.”
Portal Vermelho: A terceirização é um fenômeno mundial nas sociedades capitalistas e, apesar de conservar características gerais que se reproduzem em todos os países nos quais é adotada, apresenta particularidades nas diferentes localidades onde se desenvolve. Quais as particularidades da terceirização no Brasil? Há uma defasagem salarial, de quanto? Há uma exploração em termos de cumprimento de horário, não pagamento de hora extra? Há um desamparo legal quando ocorrem desacordos entre trabalhados e empresa contratante?
Deputado Assis Melo: Na verdade, a terceirização é uma precarização do trabalho. A condição, hoje, no Congresso Nacional, é de um debate para regulamentar a terceirização. Na verdade, se a gente olhar com profundidade para as questões do trabalho, o que vamos fazer se regulamentarmos a terceirização? Vamos regulamentar a precarização do trabalho. Porque se quisermos que o trabalhador tenha seus direitos, ele não pode ser terceirizado. Então, por que se terceiriza? Exatamente para precarizar. Uma condição já estabelecida é o debate que estamos fazendo por meio da comissão especial de trabalho terceirizado. Queremos demonstrar que, se formos por este caminho, estaremos precarizando o trabalho, mas não sei se teremos força e movimento para construir um outro tipo de relação em substituição à terceirização. O que é importante compreendermos melhor é o caminho pelo qual entrou esse debate dessa comissão especial, talvez seja um caminho que não interessa para os trabalhadores. Acho melhor vermos por outro ângulo, de que forma poderíamos retirar esta questão da regulamentação. Todas as questões são precarizadas, jornada, salário...
Vermelho: Na Argentina, Colômbia, México, Venezuela, Espanha, França e Itália há previsão legal para a responsabilidade solidária da tomadora de serviços quanto aos encargos trabalhistas e previdenciários inadimplidos pela prestadora de serviços. Não há notícia de responsabilidade subsidiária nos países estrangeiros pesquisados. Como é, nesse sentido, a proposta que a sua comissão está encaminhando no governo?
Deputado Assis: Na verdade a Comissão está no início dos trabalhos ainda. Nós estamos fazendo o debate ouvindo várias posições dos vários segmentos. A comissão não se posicionou ainda porque ela está na fase de ouvir a opinião de vários setores.
Vermelho: A terceirização começou como um fenômeno restrito a determinadas categorias de prestadores de serviços (limpeza, alimentação, segurança, etc) e hoje atinge uma massa de trabalhadores que, apesar de diferenciados, são “terceiros” que atuam isoladamente, sem vínculo a sindicatos de classe, caso dos autônomos que, em sua maioria, se tornaram PJs e não contam com direitos trabalhistas. Como você vê esse fenômeno? Como a lei pode abarcar todos os casos e tipos de terceirização que o mercado pratica? Você acredita que, em médio prazo, todos poderão ser enquadrados na lei e obter, assim, direitos e deveres previstos e amparados no direito trabalhista?
Deputado Assis: O autônomo, no meu entendimento, está colocado numa outra categoria. Agora, no momento que ele é autônomo, mas vai prestar serviço a alguém, nós temos que ver de que forma isso está sendo feito. Porque na verdade isso foi uma tentativa da Emenda 3, de constituir todos os trabalhadores como pessoa jurídica, de deixar de ser trabalhador para ser uma pessoa jurídica, ou seja, não ia mais ser trabalhador fisicamente, ia ser uma pessoa jurídica e, portanto, ia ser uma empresa. E por ser uma empresa não ia ter direito mais a fundo de garantia, carteira assinada, férias... Então, o autônomo é colocado nesse tipo de categoria de pessoa jurídica. Ele não empresta sua força de trabalho e sim emprega a sua empresa, quando é ele a empresa. A força de trabalho dele virou uma empresa. Então acho que é preciso a gente compreender melhor isso, que é diferente do que é o terceirizado, porque o terceirizado é uma empresa que contrata. O trabalhador tem um vínculo com uma empresa, e ele vai prestar serviço para uma outra empresa e, às vezes, desenvolver a mesma função de trabalhadores empregados diretamente em determinada empresa.
Vermelho: Em Portugal, os jovens estão encabeçando um movimento de votação de “Lei contra a precariedade” (www.leicontraprecariedade.net). É descrita como uma iniciativa legislativa dos cidadãos, busca assinaturas para um baixo-assinado e tem três principais objetivos: proteção no desemprego, limitar contratos a prazo e enquadra empresas de trabalho temporário, obrigando à contratação após um determinado prazo de prestação de serviços. Você acha que o povo brasileiro está envolvido nessa luta? Pode ser envolvido num movimento mais amplo, que extrapole o âmbito de centrais, sindicatos, que agregue toda a população? Como?
Deputado Assis: As Centrais Sindicais já trabalham com os trabalhadores formais... Acho que a sociedade precisaria compreender um pouco mais o que é o capitalismo contemporâneo hoje. Que é um capitalismo amplo e acho que a gente precisa entender isso. A luta contra o capital não deve ser uma luta apenas dos trabalhadores, mas sim uma luta social mais ampla. Agora acho que não temos uma visão unitária da luta, nem histórias de lutas maiores, unificadas no nosso país. As lutas mais amplas são normalmente movimentos políticos mais amplos. Agora, movimento amplo, uma determinada bandeira, nós podíamos ter aqui pela redução da jornada de trabalho, mas não se avança não se consegue. A redução da jornada de trabalho vai beneficiar quem? Vai beneficiar a juventude que está procurando emprego? Qual é o envolvimento da juventude ou das instituições da juventude sobre isso? Há um debate com parcela e não com a sociedade toda.
Vermelho: O dono de empresa especializada em limpeza hospitalar, recebeu proposta de uma grande rede de hospitais para cuidar de toda a esterilização do ambiente, ou seja, atividade-fim. O empresário, no caso, recebeu uma proposta em dinheiro tentadora, mas quando colocou na ponta do lápis os custos (equipe, impostos, serviços, etc), concluiu que não iria ganhar nada. Como você encara esse modo de driblar a lei, transferir custos para terceiros e aumentar lucratividade (já que se trata de atividade-fim)?
Deputado Assis: Estamos vivendo em um mundo que está sempre buscando o lucro máximo. E quando se busca o lucro máximo, o que está na ponta da busca do lucro máximo? Às vezes, as megaempresas, os megaempreendimentos, onde o próprio microempresário está colaborando para isso e não necessariamente está lucrando com isso. Ele está a serviço de um contexto socioeconômico, do qual ele é uma engrenagem.
Vermelho: Um pesquisador da FGV acha que as leis trabalhistas, datadas da era Vargas, precisam ser revistas. O que você acha? Se é preciso uma revisão, que aspectos ela abordaria?
Deputado Assis: Não sei qual é a fonte ideológica desse pesquisador, porque se a fonte for o Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente da República, do PSDB)... O Fernando Henrique disse que queria acabar com a Era Vargas, mas não para avançar, mas para retroceder à Era Vargas. Então, quando a gente debate essa questão, ah a Era Vargas é ultrapassada... Reformular, nesse sentido, é voltar para trás. Nós somos a favor de uma reforma que modernize as relações de trabalho. Mas a questão do debate que se faz do ponto de vista da CLT é de retroceder aquém da gestão Vargas. E o que é retroceder? É acabar com férias, acabar com décimo terceiro, fundo de garantia. Essa é a visão dos intelectuais neoliberais, que estão a serviço da exploração máxima do trabalho. Então, nós não podemos entrar nessa. Quando discutir essas questões é preciso enxergar esse movimento. Porque na verdade os pseudo-desenvolvimentistas, do ponto de vista do novo, querem retroceder a era pré Vargas, à República Velha. Quando se discute essas questões da CLT é preciso que a gente compreenda isso, de que lado estamos falando, para onde vamos. Vamos para frente ou vamos voltar para trás?
Vermelho: Além da comissão da qual você participa, com quais outros grupos você dialoga sobre essa polêmica da legalização?
Deputado Assis: Não sei se nós vamos entrar no caminho da legalização. Acho que hoje no debate sobre essa questão tem vários segmentos e centrais sindicais debatendo isso. Agora, o que vai sair da Comissão Especial, sinceramente eu não sei. Isso nós vamos ainda ver... Eu não sou um parlamentar de mim mesmo, tenho um compromisso político partidário e, ao mesmo tempo, um compromisso com a central sindical, a qual eu represento, que é a CTB. Então, nós vamos discutir no âmbito da Central, qual a nossa posição, no final das contas, sobre isso. Então, não é, exclusivamente, a minha opinião que vai resolver. Vai resolver uma opinião coletiva, política, partidária, com a própria Central.
Vermelho: O Direito do Trabalho é inquestionavelmente o ramo do direito mais sensível às transformações sociais”(Maurício Sanchotene de Aguiar). Você concorda? Por quê? Se é de fato assim, estamos muito distantes de grandes transformações sociais? Esta pergunta é filosófica, pode pensar no mundo que você idealizou quando entrou para a política e se engajou no direito trabalhista, pode discorrer sobre suas ambições no campo social, aquelas que você planeja encampar e instrumentalizar com o seu trabalho.
Deputado Assis: Quem pergunta quer ter uma resposta para saber além daquilo que conhece. Em que sociedade o trabalho é colocado como um direito? O capitalismo é um direito ao trabalho? Por que o capital tem uma reserva de mercado? Essa reserva são essas pessoas que estão desempregadas. Não existe, no meu entendimento, essa visão de que o trabalho é esse direito funcional. Do ponto de vista da nossa visão quando entramos na política, no movimento sindical ou social, tenho a dizer que ninguém nasce sabendo das coisas. Quando entramos no movimento tínhamos uma visão. Hoje, temos outra. Ah, podem perguntar: O que tu pensava lá em 85? Quando entrei na primeira greve, eu achava que deveria ganhar mais. Então, o movimento social é um movimento que tem uma visão de mundo, uma visão de sociedade diferente da que nós estamos vivendo. Agora para isso ela precisa ter um movimento, uma força política realmente que possa transformar isso. E se está longe desse sonho ou não, temos que construí-lo. E a nossa luta, o nosso dia-a-dia, é que vai dizer se nós estamos longe ou perto, porque as coisas se movimentam. É assim, como a natureza. Nós não podemos dizer que não vai acontecer nenhum movimento da natureza hoje. Claro que as pesquisas hoje podem identificar isso, mas a natureza se movimenta. O movimento social é isto também. Às vezes, a gente tem condições que aparentemente não foram colocadas, mas nós temos que trabalhar neste sentido. Defendemos uma nova sociedade, a sociedade socialista. Agora, se vão me perguntar se isto está longe ou perto, bom, isto vai depender da nossa condição de convencimento, de mobilização e de luta do povo. Isto não virá sem a luta do povo.
Fonte: Vermelho
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