Os impasses da reforma política
Roberto
Amaral *
O
Congresso que aí está não é muito diferente dos quatro ou cinco
anteriores, embora menos representativo. Talvez seja mais conservador
do que o próximo, se o próximo for eleito segundo as regras de
hoje. Como os das legislaturas passadas, não fará reforma política
de qualquer sorte, porque há mais de 20 anos foge da reforma como o
diabo da cruz. Ora, qualquer reforma que mereça este nome
dificultará a reeleição dos atuais deputados e senadores, cuja
única preocupação cívica (atenção, atenção, ressalvo as
dezenas de exceções!) é renovar seus mandatos.
E
essa renovação depende das regras atuais, ditadas por eles,
permissivas da ação do poder econômico, da ação manipuladora dos
grandes meios de comunicação, alienantes, das corporações
em geral, sindicais e empresariais, da manipulação
eleitoral-comercial-religiosa de seitas ditas evangélicas, dos
grupos da mais diversa genealogia que se organizam nas votações
à margem dos partidos, cada vez mais fluidos, incolores, manietados
pela própria tibieza ideológica.
Os
partidos e suas lideranças são substituídos pelas bancadas de
interesse, que se distribuem às pamparras, decidindo as votações e
controlando de fato o Poder Legislativo, para melhor chantagearem os
Executivos, a cada votação. Enfim, uma mixórdia sem cor
ideológica. A mais significativa característica de nosso Poder
Legislativo sem representação é esta: a falência dos partidos.
Essa
falência, se tem origem nas estratégias da ditadura, não é um
mero fenômeno, nem sociológico, nem autônomo, porque
alimentado diariamente pelos que sabem que a desmoralização
da política, dos partidos e dos políticos nos levará de volta aos
idos de 1964, com a inefável ajuda dos ‘inocentes úteis’ de
hoje: o udenismo arcaico e o esquerdismo infantil. E, é preciso
dizê-lo, com a colaboração inestimável de nossos parlamentares.
A
propósito, a doce vilegiatura do presidente da Câmara, vindo ao Rio
com seus familiares, em avião da FAB, para assistir à vitória do
Brasil sobre a Espanha, é a mais evidente demonstração da
distância que medra entre o Brasil oficial e o Brasil real. Mas,
lamentavelmente, o deputado Henrique Eduardo Alves pode alegar boa
companhia: no mesmo estádio, com passagens do STF, estava o ministro
Joaquim Barbosa. Quando o povo reclama serviços e correção no
trato dos dinheiros públicos, o nosso dinheiro, o austero TCU se
presenteia com um esdrúxulo auxílio-alimentação. Um
Tribunal que tem ministros ganhando 56 mil reais de salário!
Temo
que a proposta do Plebiscito contribua para aprofundar o impasse.
Dele não teria receio se estivesse convencido de que não há
possibilidade de retrocesso democrático, ou de recuo da emergência
das massas. Jurei-me em 1964 jamais apostar em ilusões.
Não
estou certo de que, nas circunstâncias, a melhor resposta ao clamar
das ruas seja um Plebiscito convocado, preparado e levado a cabo às
carreiras. Qual a segurança de que as perguntas a serem apresentadas
ao povo são as mais urgentes para a reforma política, e, posto que
o Referendo é rejeitado, qual a segurança de que a resposta do
Congresso, a legislação que expedirá, estará em consonância com
a vontade popular expressa nas ruas e na resposta ao Plebiscito?
Certo mesmo é que a chamada reforma política, que é ainda uma
reforma eleitoral, está a depender de uma ampla reforma do Estado
classista, manietado pelas regras do neoliberalismo, e posto a
serviço, tão-só, dos interesses da classe dominante. Daí a
falência dos serviços públicos destinados aos pobres, e contra
essa falência, exigindo seu conserto, é que se manifestaram as
ruas. Para responder às vozes da rua a primeira
iniciativa, conditio sine qua non para tudo, seria
uma reforma tributária democrática. Como prometer serviços
públicos de qualidade em país no qual a maior carga tributária
recai sobre os pobres e assalariados? Quando a União concentra os
recursos e leva estados e municípios, principalmente estes, à
penúria? Mas a reforma tributária não será objeto do Plebiscito.
A
falência da segurança pública (no Leblon, a relação de policiais
e população é de 1-50; na Baixada Fluminense é de 1-2.000), a
falência dos serviços de saúde, a falência do ensino público
principalmente de segundo grau, a falência dos transportes
coletivos, a péssima qualidade da vida urbana, que, no Rio de
Janeiro, compreende o primeiro mundo da zona sul-asfalto e o quarto
mundo da periferia. A resposta às ruas – se não quisermos
alimentar outros estopins para explosões futuras – é a reforma do
Estado (da qual a reforma política é um item) com o objetivo claro
e preciso de sua verdadeira democratização, que se completará em
um regime de igualdade social.
A
reforma de que precisamos deve alcançar todos os Poderes da
República, começando pelo Poder Judiciário, monárquico e
hereditário, soberano, absoluto como o Rei Luiz XIV, que só
respondia à sua consciência e terminou como todos sabemos. A
reforma deve compreender a eliminação das férias forenses
coletivas (um absurdo em país no qual o Judiciário não julga); a
vitaliciedade, um anacronismo na República, precisa ser transformada
em mandato certo de 10 anos não renováveis para todos os tribunais
em todos os graus e instâncias. E quando um juiz for flagrado em
corrupção (e quantos o são!), a pena não pode ser a prebenda da
aposentadoria compulsória com vencimentos integrais, mas a cadeia
que recebe os demais funcionários públicos. O Ministério Público
precisa responder pelas consequências das denúncias vazias, que
destroem reputações, mas dão ao funcionário imaturo dez minutos
de glória na televisão.
Compreendo
que o governo, tentando interpretar o clamor popular, tenha entendido
que o primeiro passo, e somente o primeiro passo, seja a reforma
política. Lamento a inexistência do Referendo e, principalmente, a
desistência da Constituinte exclusiva e específica (pela qual Lula
vem há anos reclamando) e temo a exiguidade de tempo para sua
realização e implantação das eventuais medidas inovadoras a tempo
de vigência, como todos desejamos, já nas eleições de 2014.
Esta é a primeira e crucial dificuldade. Puramente operativa. Mas há
as questões de fundo.
Os
grandes meios de comunicação continuarão, como agora, combatendo
todos os avanços. O que será a campanha da grande imprensa contra
as conquistas que o Plebiscito pode ensejar já foi anunciada, no fim
de semana passado, por uma das revistonas desse país. Quanto tempo
os partidos, os defensores dos avanços, terão para enfrentar a
campanha do ódio, da descrença, da mentira, do atraso, do
conservadorismo pérfido?
Não
há nada mais importante, no momento, do que o financiamento público
de campanha, livrando as eleições da manipulação do poder
econômico. Mas a grande imprensa já faz campanha contra. Com o
clima das ruas, com a campanha permanente dos jornalões,
conseguiremos o apoio plebiscitário? Em face da desmoralização dos
partidos, conseguiremos o voto em lista, já combatido pelos
jornalões? A mínima possibilidade de derrota desaconselha o
risco, pois essa derrota representará um tiro de morte nos avanços
democráticos.
Mas
não podemos perder a oportunidade de avançar nas reformas com apoio
popular. Inviabilizado o Plebiscito, este que se discute (se discute
mesmo?) no Congresso, precisamos voltar à carga para conquistarmos o
apoio popular para as reformas, para que a próxima legislatura
receba a incumbência de proceder às reformas negadas por esta, ou,
pelo menos, que o povo faça em 2014 seu próprio Plebiscito,
rejeitando as forças do atraso.
*Roberto
Amaral é Cientista
político, jornalista, escritor, conferencista, político militante e
vice-presidente e coordenador de relações internacionais do Partido
Socialista Brasileiro-PSB
Fonte: Carta Capital
Fonte: Carta Capital
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