quinta-feira, 7 de março de 2013

Lênin, o partido da classe e o sucesso da revolução


Rita Matos Coitinho*

"Saber encontrar, descobrir, determinar com exatidão a via concreta ou uma viragem especial dos acontecimentos que conduza as massas para a verdadeira, final, decisiva e grande luta revolucionária – nisto consiste a principal tarefa do comunismo." (Lênin) (1). A opinião do grande dirigente da Revolução Socialista deve ser tomada em consideração no debate sobre “novos movimentos” e “nova esquerda”.

Está em voga há pelo menos 20 anos o discurso de uma "nova esquerda". Essa esquerda renovada, traduzida nos chamados "novos movimentos sociais", caracteriza-se, de acordo com as modernas teorias sociais, pela multiplicidade de bandeiras, fundadas em geral em reivindicações por direitos de terceira geração – direitos ligados à cidadania, ao meio ambiente, às liberdades sexuais, ao acesso a serviços do Estado, etc. 

Ainda que não seja unanimidade, não é exagero afirmar que a ampla maioria das teorias relativas aos novos movimentos sociais considera que estes surgem em contraposição ao que seria uma "velha esquerda": nomeadamente a esquerda marxista-leninista, classista, dos partidos comunistas. A análise das diversas teorizações sobre movimentos sociais mereceria um artigo (ou mesmo vários) à parte. O que nos interessa hoje aqui é, justamente, a nomenclatura adotada para classificar os partidos comunistas: velha esquerda.


Por que seriam démodés os partidos comunistas? Por sua forma verticalizada de organização – uma vez que, por oposição, os novos movimentos caracterizam-se por sua "horizontalidade"? Por seu foco nas questões de classe – uma vez que "classe" seria também um conceito superado em uma sociedade "globalizada" e "multifacetada"? A "modernidade líquida" teria também derretido as possibilidades de uma nova forma de sociedade, socialista?

A questão da definição das classes

É claro que, assim como o trabalho, a questão de classe assumiu novos contornos na contemporaneidade. A situação de concentração de grandes contingentes de trabalhadores no interior das fábricas, típica de períodos anteriores, tornava mais simples a organização sindical e, em decorrência disso, o conceito de classe podia ser facilmente definido. Atualmente, falar em classes sociais requer um esforço maior de definição e não faltam trabalhos que anunciam o fim das classes, ou, ao menos, o fim do protagonismo histórico da classe trabalhadora (2). 

Estes argumentos padecem de enormes limitações. Não só porque entendem o trabalho fora de sua dimensão ontológica (como condição de existência de toda sociedade humana), mas também porque desconsideram a permanência da produção de mercadorias como base da economia mundial, conforme mostraram os estudos de Ricardo Antunes (3). A realidade é que o capital adentra todas as esferas da vida social, da atividade fabril à tecnologia, aos serviços, à produção do saber e à agricultura. O assalariamento, formal ou informal, é ainda a relação de trabalho fundamental. A questão das classes como sujeito histórico mantém atualidade e relevância. 

Elas não desapareceram, como se procura afirmar. Apenas ganharam novos contornos, resultantes das mudanças por que passou o mundo do trabalho com o avanço do capitalismo. Menos homogênea, a classe trabalhadora contemporânea é muitas vezes mais complexa do que a classe trabalhadora do século 19, que figurava nos escritos clássicos de Marx. Fragmentada, ela encontra-se ainda nas fábricas, mas também nos trabalhos de serviços e comércio, como assalariada no campo ou, ainda, impedida de integrar-se ao mundo do trabalho pelo desemprego. Essas situações tão variadas trazem a aparência de que não há nada que unifique esses trabalhadores, já que realizam atividades tão diferentes entre si. Porém, há características fundamentais que são comuns a todos: sua relação de submissão ao capital, pelo trabalho assalariado, sua dependência dessa relação para sobreviver e a apropriação do produto do trabalho por terceiros.

Estas questões não estão aparentes e as aspirações dos grupos sociais variam infinitamente, de acordo com o tipo de atividade que se realiza, local de trabalho, etc. Esta ausência de unidade, ou mesmo de “consciência de classe”, é muitas vezes apontada como um indicativo de que a classe trabalhadora, enquanto tal, não tem mais viabilidade como sujeito histórico. De fato, as estratificações internas à classe (decorrentes dos diferentes setores onde trabalha, recompensas materiais, acesso a bens culturais, etc.) trazem grandes problemas para sua unidade e possibilidades de ação política em oposição frontal à classe dominante. Esta, no entanto, apresenta unidade nas questões fundamentais. Conforme Mészáros:

"(...) com respeito à questão da unidade, não se pode falar de uma simetria entre as duas classes fundamentais que lutam pela hegemonia na sociedade capitalista. A classe dominante tem de defender interesses reais, imensos e evidentes por si mesmos, que agem como força de unificação poderosa entre suas várias camadas. Em completo contraste, a estratificação interna das classes subordinadas serve para intensificar a contradição entre interesses imediatos e os de longo prazo, definindo esses últimos como meramente potenciais, cujas condições de realização necessariamente escapam da situação imediata". (4)

Partido de vanguarda

As divisões internas à classe trabalhadora são provavelmente o maior desafio para a possibilidade de sucesso dos movimentos orientados contra o capitalismo – e talvez o ponto nevrálgico que explica os limites dos novos e "novíssimos" movimentos sociais anticapitalistas. É seguramente por causa deste desafio que se reafirma a atualidade e a necessidade de um partido comunista de vanguarda. Um partido capaz de contemplar as demandas presentes nos diversos movimentos e que se propõe ir além, orientado para a superação revolucionária do capitalismo, para a construção do poder socialista, que é o poder da classe trabalhadora. 

Não se trata de ser uma forma "nova" ou "velha" de organização. Trata-se da forma necessária à luta necessária. A superação do capitalismo requer a organização determinada da classe que se opõe à dominação do capital. A pulverização e fragmentação em lutas específicas, ainda que os novos movimentos tragam demandas legítimas pelas quais vale a pena lutar, não são capazes de abalar as bases do sistema e conduzir a uma derrota da classe dominante.

Partido comunista: disciplina e orientação revolucionária

Lênin, no célebre texto A doença Infantil do esquerdismo no comunismo, demonstrou de que maneira puderam os bolcheviques impor fragorosa derrota sobre a burguesia. Conforme argumenta, a centralização incondicional e a disciplina mais rigorosa do proletariado constituíram uma das condições fundamentais para a vitória da revolução.

E por que é que lograram, os bolcheviques, criar a disciplina necessária? Lênin aponta três elementos: a consciência da vanguarda proletária; a capacidade de se aproximar (se fundir) com as mais amplas massas proletárias e não proletárias (alianças) e a justeza da direção política exercida pela vanguarda, que fez com que sua liderança fosse reconhecida pelas variadas classes e frações de classe durante o processo de luta revolucionária. 

Essas condições, essenciais ao sucesso da revolução, formaram-se no processo político e foram facilitadas "por uma teoria revolucionária justa [o marxismo] que, por sua vez, não é dogma, mas que só se constituiu de forma definitiva em estreita ligação com a prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário". (5)

Em um período de apenas quinze anos o proletariado russo viveu experiências que possibilitaram a construção do partido nos moldes necessários e a experimentação de formas de luta variadas. Lênin dividiu esse período em fases: os anos de preparação da revolução (1903-1905), os anos de revolução (1905-1907), os anos de reação (1907-1910), os anos de ascenso (1910-1914), a primeira guerra imperialista mundial (1914-1917) e a segunda revolução da Rússia (fevereiro a outubro de 1917).

Nessas fases as classes e frações de classe organizaram-se, desenvolveram a propaganda ideológica, realizaram e dissolveram alianças, criaram novas formas organizativas – como os sovietes –, atuaram na legalidade do parlamento e na ilegalidade da agitação e das grandes greves. O czarismo, vencido em 1905, realizou sua contrarrevolução entre 1907 e 1910. Vitorioso, instaurou o capitalismo, revelando ser inexorável o desenvolvimento da nova forma de organização. Nesses anos "as ilusões sobre a possibilidade de evitar o capitalismo" desvaneceram-se. A luta de classes mostrou-se como algo novo e com muita nitidez.

Os partidos revolucionários, durante os anos de reação czarista, aprenderam a atacar e a retroceder. Entenderam que "não se pode vencer sem saber atacar corretamente e recuar corretamente". Os bolcheviques souberam recuar quando necessário e reiniciar o trabalho de forma mais ampla, excluindo de suas fileiras aqueles que não compreenderam que naquele momento era necessário trabalhar legalmente nos parlamentos reacionários, nos mais recuados e reacionários sindicatos e organizações. Nos anos de ascenso (1910-1914), a combinação entre o trabalho legal (parlamentos, sindicatos, etc.) e ilegal possibilitou a criação de um clima de agitação entre o proletariado, bem como demarcou o campo entre bolcheviques e mencheviques. 

Durante a primeira guerra imperialista mundial, as lideranças bolcheviques estiveram por longo tempo no exílio, onde conheceram e debateram as ideias e concepções dos demais partidos europeus. Os comunistas russos condenavam e denunciavam a ação do partido social-democrata alemão e da Segunda Internacional, qualificando-a de "chauvinista", na medida em que apoiava a guerra contra outras nações. Ao denunciar a guerra imperialista e conclamar a unidade da classe trabalhadora contra as burguesias que promoviam o conflito, os bolcheviques ganharam a confiança das massas trabalhadoras. A ação contra a república parlamentar burguesa da Rússia se deu na esteira da denúncia e da agitação dos malefícios da guerra imperialista. Na medida em que se lutava contra a república burguesa reforçava-se que a vitória só seria possível pelo fortalecimento dos sovietes, lugar do poder popular.

Das experiências vividas naqueles quinze anos os bolcheviques precisaram ajustar sua forma de ação inúmeras vezes. Foi necessário abandonar o parlamento em 1905 e, no entanto, foi importante manter-se nele nos anos posteriores à reação czarista. Lênin demonstrou, ao escrever sobre esse processo, que a teoria e as formas de ação não podem ser tomadas como dogma, mas adaptadas ao momento e à situação de luta.

O partido, no entanto, só pôde se adaptar às rápidas mudanças conjunturais e às múltiplas formas de luta que se sucederam porque se fortalecia a cada nova experiência. Conforme Lênin, a atitude frente aos acontecimentos deve se modificar, mas não o partido. Sem a férrea disciplina com que foi forjada a organização dos bolcheviques não teria sido possível passar de uma forma a outra de ação no tempo necessário. "Quem debilita, por pouco que seja, a disciplina do partido do proletariado ajuda de fato a burguesia contra o proletariado". (6)

A experiência do proletariado russo mostrou que sem uma organização forte e com orientação clara não há possibilidade de vitória. A pulverização das demandas e a confusão entre variadas classes e frações é inevitável em qualquer luta política. Foi a orientação revolucionária e a capacidade de unificar as massas em torno de um projeto único que tornou possível a revolução russa. 

Conforme Lênin, "a política é uma ciência e uma arte que não cai do céu, que se não obtém gratuitamente, e se o proletariado quer vencer a burguesia deve formar os seus 'políticos de classe', proletários, e que não sejam piores que os políticos burgueses" (7). A ação do partido comunista deve almejar conquistar as opiniões da maioria do povo, por meio da ação em todos os espaços, por todas as formas de luta necessárias – legais ou ilegais, a depender do momento histórico. Pois "sem uma mudança de opiniões da maioria da classe operária a revolução é impossível, e essa mudança consegue-se por meio da experiência política das massas, nunca apenas com a propaganda". (8)

Foi por não ter abandonado seus princípios, por ter buscado adaptar-se às condições impostas, sem no entanto perder de vista o objetivo de se construir o socialismo, que triunfou o proletariado russo sobre a burguesia. A existência de condições adversas, as dificuldades que a conjuntura apresenta, não devem servir de freio à ação dos partidos comunistas, mas de estímulo ao fortalecimento do partido, ao estudo da realidade e à criação de novos instrumentos. "É muitíssimo mais difícil – e muitíssimo mais valioso – saber ser revolucionário quando ainda não existem condições para a luta direta, aberta, autenticamente de massas, autenticamente revolucionária, saber defender os interesses da revolução (mediante propaganda, agitação e organização) em instituições não revolucionárias e muitas vezes francamente reacionárias, numa situação não revolucionária, entre massas incapazes de compreender imediatamente um método revolucionário de ação. Saber encontrar, descobrir, determinar com exatidão a via concreta ou uma viragem especial dos acontecimentos que conduza as massas para a verdadeira, final, decisiva e grande luta revolucionária – nisto consiste a principal tarefa do comunismo (...)". (9)

É certo que as experiências socialistas do século 20 não podem ser repetidas ou copiadas. Por outro lado, a construção do socialismo nesta etapa histórica apresenta-se como necessidade imperiosa. A crise capitalista agiganta-se em todo o mundo e é urgente que se encontrem respostas de superação do modelo de produção em colapso. Aprender com a história e nela encontrar elementos que nos auxiliem a colocar o partido à altura deste desafio é tarefa urgente e necessária de cada militante comunista. 

*Rita Matos Coitinho é mestra em sociologia, cientista social e militante do PCdoB em Santa Catarina.

Notas

1 - LÊNIN, V.I. A doença infantil do esquerdismo no comunismo. In: LENINE, V.I. Obras escolhidas. São Paulo, Alfa-Ômega (Progresso/Avante), 1980. Tomo 3, página 333.

2 - Andre Gorz, por exemplo, deu “adeus ao proletariado” afirmando que o conflito entre capital e trabalho foi suplantado pelo conflito entre a “mega-máquina burocrático-estatal” e a população, ao mesmo tempo em que identificou uma não-classe de não-trabalhadores, composta pelos excluídos que seria agora o sujeito principal dos embates sociais. Ainda Jeremy Rifkin escreveu que o declínio inexorável dos níveis de emprego coloca em xeque tanto as potencialidades organizativas de uma classe trabalhadora como a possibilidade de se afirmar a existência de uma sociedade do trabalho. 

3 - Ver: ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. Campinas: Editora Cortez, 2002.

4 - MÉZÁROS, I. Para Além do Capital. Campinas: Boitempo Editorial, 2002.

5 - LÊNIN, V.I. Op. cit. página 282.
6 - idem, 296.
7 - idem, 321.
8 - idem, 324.
9 - idem, 333.

Fonte: Vermelho

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