sexta-feira, 13 de maio de 2016

Do 1° de abril à sexta-feira 13

J. Tramontini*

Em 15 de abril de 1964 tomou posse o marechal Castelo Branco, jurando defender a constituição, conclamando um governo com adesão de todos, de união e salvação nacional, sob o império da lei e, claro, com a benção de deus. A Constituição de 1946, em vigor à época, acabara de ser rasgada pelos tanques comandados pelo marechal em 1° de abril. Até hoje as viúvas da ditadura civil-militar que durou 21 anos se esforçam para convencer que o golpe foi em 31 de março. Não, foi no dia da mentira mesmo.

Em 12 de maio de 2016 toma posse, interinamente, o então vice-presidente Michel Temer, após a aprovação do processo de impeachment da presidente eleita, Dilma Rousseff, ser aprovado no Senado. Em seu discurso, Temer convoca a adesão de todos os brasileiros para a união e salvação nacional, contra a corrupção, pelo respeito à constituição federal e, claro, sob a benção de deus. Horas antes haviam rasgado a constituição de 1988, em vigor, ao afastar a presidente sobre a qual nada há contra. Primaram pela velocidade, para não iniciar o novo governo golpista em uma sexta-feira 13, mas é na sexta, precisamente, que os usurpadores começarão a governar.

A história do Brasil tem dessas ironias, únicas, como a jabuticaba.

O novo ministério golpista é composto por notórios notáveis. Apenas alguns já demonstram bem a que veio esse “governo”. Geddel Vieira Lima, Ricardo Barros, Mendonça Filho, Raul Jungmann, Sarney Filho e, para não deixar dúvidas, José Serra. Dos ministros golpistas, ao menos oito, são investigados pela famigerada Operação Lava Jato mas, não devem vir ao caso. Todos, sem exceção alguma, são tenazes defensores dos interesses da Casa Grande.

Até mesmo a chamada classe média logo sentirá a ira do monstro que ajudou a criar, mas são os trabalhadores, em especial os mais pobres, sobre quem recairá a mão de ferro. O “programa de governo” golpista é o supra sumo da subserviência ao grande capital. Os programas sociais e de investimentos estatais, que tiraram o país do mapa da fome e garantiram que a crise internacional demorasse a atingir o país, serão desidratados até se tornem penduricalhos inúteis. A valorização do salário mínimo, fator crucial para distribuição de renda, terá fim. Direitos trabalhistas serão aniquilados pela terceirização total e pela prevalência do “negociado sobre o legislado”. A repressão aos movimentos populares será marca inconteste. Os trilhões de reais do petróleo do pré-sal deixarão de ser investidos em educação e saúde para enriquecer as petroleiras estrangeiras. Privatizações voltarão com força total. Tudo isso está escrito em documentos e retratado em discursos do PMDB, PSDB, Dem, CNI, Fiesp, etc.

O resultado é óbvio, empobrecer os mais pobres, e as camadas médias, e enriquecer os já muito ricos. Esse grotesco programa ultra-liberal foi realizado no Brasil nos anos 1990, sob a batuta de FHC que, ao menos, foi eleito e quebrou o país em três ocasiões. O que dizer, então, de um governo que toma posse não consagrado pela soberania popular, mas por um golpe de Estado? Um governo que não necessita prestar contas a ninguém, afinal, tomou o poder pelo atalho, pelo roubo.

Muitas comparações são feitas com a queda de Collor e o governo de Itamar. Mas a comparação é descabida. Dois elementos são suficientes para esclarecer. Itamar, o então vice, não conspirou contra o presidente; e Collor, ao deixar o Planalto, não tinha apoio de ninguém, na prática.

Outra grande diferença trata da própria presidente Dilma. Ninguém foi tão bombardeada, ofendida e vilipendiada como ela. Ainda assim Dilma demonstra uma firmeza de caráter e uma capacidade de resistência sem comparações, inigualável. Ela deve servir de exemplo a todos que pensem em se insurgir contra a Casa Grande.

Muito diferente é a realidade de agora. Temer é notório conspirador e tudo fez para atrapalhar o governo eleito, mesmo sendo parte dele. E Dilma goza de apoio de um amplo leque de forças democráticas e populares. Esse apoio democrático e combativo não se materializa no Congresso Nacional, eleito pelo poder do dinheiro e, muito menos, no Judiciário, que também não passa por legitimação popular. Porém, ele é muito maior do que esperavam os golpistas. Se manifesta por forças e organizações que nem mesmo apoiavam o governo eleito e por amplas e crescentes camadas do povo trabalhador e da intelectualidade progressista. Vitoriosos no momento, os golpistas sabem muito bem que a guerra ainda não acabou.

O oligopólio midiático já faz de tudo para promover o governo golpista, tal qual em 1964. A odiosa imprensa brasileira é peça chave do golpe e do clima de ódio e fascismo que assola todo o território brasileiro. Como em 1964, a voz única da Casa Grande usa de todos os subterfúgios para convencer que o golpe não golpe. Em 1964 chamaram o golpe de “revolução”, hoje dizem que tudo é legal e constitucional.

Nessas condições, sob a mais grave crise internacional do capitalismo, sem a legitimidade do crivo popular e, sabendo que, com seu programa, é impossível uma vitória eleitoral, o governo golpista, mesmo nesse período interino que se inicia nessa sexta-feira 13, terá pressa e voracidade. O desmonte tende a ser acelerado. O governo golpista, ao que tudo indica, fará o desastre da era FHC parecer brincadeira de criança.

De outro lado, o que fará o povo trabalhador? É hora da mais firme resistência. As lideranças e forças organizadas, a vanguarda dessa resistência, deve ter em mente que nenhuma trégua, nenhum recuo, nenhum acordo é possível com os golpistas. Porém, mais do que isso, a vanguarda necessita criar unidade em torno de uma bandeira maior do que o mero retorno da presidente Dilma ao Palácio do Planalto. É necessária uma bandeira democrática, unificadora, que aponte para o futuro, que seja capaz de mobilizar amplas massas do povo, que deixe claro que, o retorno de Dilma ao seu posto por direito não será para prosseguir com um governo acuado, mas sim, para fazer o Brasil, e seu povo trabalhador, avançar a um novo patamar civilizatório.

Essa bandeira deve sair das reformas democráticas em um grande consenso do campo popular.

Governar, desde já, com o povo nas ruas, não dando a menor chance de paz aos golpistas. Desnudar a luta de classes em todos os seus aspectos. É preciso ter fé e confiança no povo trabalhador de nosso país, afinal, é do destino desse povo que se trata o combate em curso. O povo trabalhador deve ser alçado, finalmente, a protagonista de seu próprio destino.

O golpe é momentaneamente vitorioso, mas ainda não em definitivo. A luta popular pode virar o quadro.

*Jefferson Tramontini é editor do blog Classista

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