A eleição municipal sob desorientação
J.
Tramontini*
No Brasil
do golpe há diversos elementos que têm favorecido e facilitado o serviço dos
golpistas e de seu chefe, o imperialismo. Um desses elementos, talvez o mais
grave deles, seja a desorientação geral das forças progressistas e de esquerda.
A
desorientação é tão grave e profunda que, mesmo dentro da cada organização, há
setores que vão desde uma crença religiosa em instituições estatais que,
efetivamente, já não mais existem, até a infantilidade de apenas questionar o
quão vermelho são outras organizações sem, no entanto, propor nada de concreto
para superar a conjuntura adversa. Não se faz necessário nem mesmo enumerar
tais organizações e partidos, basta olhar em volta e perceber a acefalia.
Os
resultados do primeiro turno das eleições municipais, ao invés de passar por
avaliações profundas, críticas e autocríticas, novas táticas, parecem ter
piorado a desorientação. O pouco que sobrou de progressista no segundo turno tem
gerado mais confusão que soluções. Na quase totalidade das cidades onde há
segundo turno ele se dá entre duas chapas conservadoras alinhadas ao golpe. Daí
novas confusões, achismos e mesmo irracionalidades. Sentimentos difusos têm
superado a razão e a inteligência.
Primeiramente
é preciso salientar que a realidade é distinta em cada uma das cidades e em
cada candidatura nas disputas. Embora desnacionalizar a campanha, se apegando a
questões exclusivamente locais, do ponto de vista da esquerda, seja um erro
considerável, também é verdade que não se pode abandonar as características
locais. A conclusão óbvia é que não existe fórmula mágica e em cada uma das
cidades onde há segundo turno a tática a ser adotada será distinta, embora as
linhas políticas gerais devam ser as mesmas.
Uma das
características da desorientação trata do voto nulo ou não nas cidades onde só
restaram conservadores golpistas na disputa eleitoral, ou seja, em quase todas.
O sentimento primário de qualquer militante de esquerda é escolher o “aparentemente
menos golpista”. Esse sentimento é perfeitamente compreensível e natural, mas é
um equívoco de grande monta. A esquerda, especialmente no Brasil, é habituada a
incentivar a participação e o voto de todos, seja nos movimentos e entidades
populares, seja por conta do histórico de ditaduras de nosso país. Por isso
parece errado, aos olhos de muitos, anular o próprio voto e pior ainda estimular
que outros também o façam.
Mas as
instituições do Estado brasileiro são hoje uma peça de ficção. Elas servem ao
golpe e apenas a isso, com raras e pontuais exceções. Usar o raciocínio de que
são eleições em condições ditas normais para agir neste momento é o erro.
Tudo que o
golpe busca é legitimidade. Para isso os golpistas dispõem de todo o oligopólio
de mídia e de todo o aparato das ex-instituições do Estado nacional, entre
outros dispositivos. Não pode caber à esquerda o papel de ajudar o esforço
golpista em busca da legitimidade que lhes falta.
A palavra
de ordem é: Nenhum voto em golpista!
“Mas nunca
pregamos voto nulo”. “Voto nulo não é certo”. Alguns dirão isso e, entre esses,
uns terão argumentos plausíveis para defender tal posição. Para os comunistas,
em especial, é preciso ter clara a dimensão tática, e não estratégica, de
qualquer eleição sob o capitalismo. Portanto, não se deve colocar uma eleição
como fim em si mesma, é uma trincheira, uma das muitas batalhas de classe, nada
mais que isso. A ideia de que nunca se usou o boicote eleitoral como arma
política é falsa. Os bolcheviques, na Russia pré-revolucionária, o fizeram em
alguns momentos e em outros jogaram força no processo eleitoral à Duma
(parlamento). A flexibilidade tática dos bolcheviques, vitoriosos depois em sua
revolução, é exemplo a ser lembrado, estudado, compreendido e levado a cabo.
A questão
é saber ler a conjuntura e encontrar a melhor forma de agir e de instruir e
preparar o povo trabalhador e, a partir disso, desenhar e executar a tática
mais acertada para o atingimento dos objetivos estratégicos. Transportar,
mecanicamente, uma forma acertada em uma realidade, para outra realidade
distinta conduz à derrota. Assim, escolher, nesse momento, a candidatura “aparentemente
menos golpista”, sob argumento da importância do processo eleitoral, quando o
país passa por um golpe de Estado claramente antipovo, configura meramente um
reforço aos golpistas e um desserviço ao povo trabalhador, aumentando sua
confusão e desorientação.
É preciso
entender que o que é aqui apresentado não configura como uma generalização a
todas as disputas locais. Em parte das cidades onde há segundo turno é acertado
que se reforce, não de maneira acrítica, o lado que seja possivelmente aliado
contra o golpe, mesmo que não seja parte da esquerda. Mas o centro da ação
política, a tática desse momento não pode ser outra que não o combate sem
trégua ao governo golpista. Sem negociações, sem reivindicações e sem tréguas.
Parte do
entendimento de que se deve escolher a candidatura “aparentemente menos
golpista” deriva de uma tentativa de manter força eleitoral, por parte do campo
popular, com objetivo na próxima eleição nacional em 2018, onde, ilusoriamente,
se aposta na candidatura do ex-presidente Lula. Esse é outro erro. Os golpistas
brasileiros e seus chefes estrangeiros não investiram pesadamente na destruição
de nossa frágil democracia para entregar novamente o país ao povo dois anos
mais tarde. Em 1964 os militares e seus aliados juravam todos dias que
ocorreria a eleição presidencial de 1965, mas ela só foi acontecer em 1989.
Lula, infelizmente, não será candidato, pois não permitirão que seja. Se, por
lapso, Lula puder ser “legalmente” candidato, duas situações são possíveis. Ou
a eleição será de tal forma controlada para que o resultado seja previamente
conhecido, legitimando o golpe de Estado, ou simplesmente, não haverá eleição.
É
necessário ter isso em mente.
Nesse
cenário qual a saída para combater o golpe que, a galope, implanta suas medidas
antipovo? Com certeza não passa pela negociação ou mesmo pressão das entidades
populares sobre o governo, congresso ou judiciário golpistas. Como não possuem
legitimidade, também não possuem qualquer preocupação em atender pressões.
Mesmo seus aparentes recuos são escaramuças para buscar legitimidade e
implantar suas reais proposições. Com certeza também não passa pela aposta
eleitoral no atual segundo turno municipal. E também não faz sentido algum a fé
cega em nova eleição daqui a dois anos.
Mas há o
povo trabalhador. Há o proletariado. Aí reside a força capaz de derrotar o
golpe em curso. As forças de esquerda precisam se reorientar, se reunir.
Reorganizar os partidos e entidades, a partir de dentro de cada um. A partir
disso, construir uma ampla frente popular, o mais abrangente possível. Conversar,
ouvir e falar diretamente com o povo trabalhador, sem qualquer espécie de
intermediário. Nas fábricas, nas empresas, nos bairros, nas periferias, nos
morros, nos assentamentos, onde estiverem os que vivem de seu próprio trabalho.
Organizar essa força dispersa e, hoje, desorientada é a única forma de derrotar
os golpistas. Manifestações amplas com palavras de ordem objetivas, greves e
mais greves até a greve geral contra o governo golpista.
Ao povo
trabalhador!
Nenhum
voto em golpistas!
*Jefferson
Tramontini é editor do Classista
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