A queda dos juros
Paulo Nogueira Batista Jr*
Escrevo de Paris, leitor, onde estou para reuniões do G-20 e do FMI. Essas reuniões costumam ser longas e penosas. A primeira durou dez horas! Já havia resolvido não escrever a coluna para este sábado.
Eis que fui surpreendido pela decisão do Banco Central de reduzir em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juro. Bela surpresa. Ora, o economista que vos escreve passou anos e anos reclamando da política de juros do Banco Central. Nada mais justo, nada mais apropriado do que fazer um esforço especial para escrever hoje – mesmo depois de uma reunião de dez horas.
Pega no contrapé, a turma da bufunfa deve estar ventando fogo pelas narinas. Daqui de longe, fico imaginando investidores e economistas de banco dando os proverbiais arrancos triunfais de cachorro atropelado. Mas a decisão do Banco Central foi correta, e traz mais benefícios do que custos e riscos, no meu entender.
O Banco Central usou três argumentos para explicar a sua decisão: a) a marcada deterioração do cenário internacional; b) a desaceleração da economia brasileira; e c) a revisão do cenário para a política fiscal.
O principal argumento é o primeiro. Alguns críticos da decisão estão dizendo que o Banco Central exagerou na descrição do quadro externo. Parece bem claro, entretanto, que a piora do contexto mundial, principalmente nos EUA e na zona do euro, foi realmente abrupta; eu diria mesmo: dramática. Falei a esse respeito na coluna de sábado retrasado.
O meu local de trabalho, a diretoria do FMI, é um ponto de observação privilegiado. Posso lhe assegurar, leitor, que o clima no Fundo é de extrema preocupação, quase alarme. Teme-se que a economia dos principais países desenvolvidos possa sofrer uma crise semelhante àquela que ocorreu depois do colapso do banco Lehman Brothers em 2008.
O que não poderia acontecer de modo algum era o Banco Central repetir o seu comportamento daquela ocasião. Em 10 de setembro de 2008, a taxa básica de juro havia sido aumentada de 13% para 13,75% no Brasil. Menos de uma semana depois, no dia 15 de setembro, veio o colapso do Lehman, fato que desencadearia uma crise financeira em escala global com forte efeito recessivo na economia brasileira. Mesmo assim, numa inexplicável inércia, o Banco Central manteve a taxa em 13,75% nas reuniões de outubro e dezembro, reduzindo a taxa apenas em janeiro – só depois que o nível de atividade econômica despencou no Brasil!
Recorde-se que, naquela época, antes de sofrer o violento choque externo, a economia brasileira vinha crescendo rapidamente. Agora, ao contrário, ela se encontra em franca desaceleração. Mais uma razão para se antecipar aos fatos e começar a reduzir, desde logo, a estratosférica taxa de juro brasileira. Diga-se de passagem que, mesmo depois dessa redução, ela ainda é, e por larga margem, a mais alta do mundo em termos reais.
A chave é manter uma política fiscal ultradisciplinada, o que permitirá continuar diminuindo a taxa de juro gradualmente. Até agora os resultados das contas públicas são favoráveis: o superávit primário tem sido maior e o déficit nominal, menor do que em 2010. O governo acaba de aumentar a meta para o superávit primário em 2011, um movimento programado para dar cobertura à redução dos juros.
A queda da taxa de juro ajudará no equilíbrio das contas públicas ao reduzir o custo da dívida pública, inclusive o de carregar as reservas internacionais do país. Além disso, juros menores combinados com controles de capital e medidas macroprudenciais ajudarão a corrigir o grave problema da sobrevalorização cambial.
Abriu-se uma oportunidade para corrigir o mix de políticas monetária e fiscal no Brasil, um problema antigo que causa distorções importantes. Com a Fazenda e o Banco Central atuando de maneira coordenada, essa oportunidade pode ser aproveitada com grandes benefícios para o desenvolvimento do país, notadamente a superação do custoso binômio juro alto/câmbio sobrevalorizado que nos atormenta há décadas.
*Paulo Nogueira Batista Jr é economista, representante do Brasil na direção do FMI
Fonte: Projeto Nacional
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