Há censura no Brasil, sim
Eduardo
Guimarães*
No
último sábado, fui um dos palestrantes em um encontro de blogueiros
em Curitiba. A “mesa” de debates de que participei teve como tema
“Comunicação e Democracia”. Como disse na oportunidade, aqui no
Brasil uma sempre foi usada contra a outra.
Há
quase sessenta anos, um presidente da República deu um tiro no peito
por causa da comunicação. Dez anos depois, a comunicação pediu,
tramou, ajudou a instalar e, depois, a sustentar uma ditadura
sangrenta que durou duas décadas.
Nesta
semana, a comunicação no Brasil trata de censurar fatos em um país
fronteiriço que, por ser o maior produtor de petróleo do planeta,
encerra importância geopolítica e econômica de tal magnitude que
atrai os olhares do mundo.
Sob
a batuta dos Estados Unidos, a comunicação brasileira trata a
política interna da Venezuela à base de omissões e distorções
dos fatos ou, simplesmente, à base da mais legítima censura.
Antes
de prosseguir, há que contextualizar os fatos.
A
vitória apertada do presidente recém-eleito do país vizinho não
difere, por exemplo, da que – graças a Deus – obteve Barack
Obama nos Estados Unidos em novembro do ano passado, quando derrotou
o republicano Mitt Romney por margem tão apertada quanto o
venezuelano Nicolás Maduro derrotou o adversário Henrique Capriles
– Obama obteve 2,3 pontos de vantagem e Maduro, 1,75 ponto.
Embora
os EUA ou a mídia brasileira não tenham pedido recontagem dos votos
nos Estados Unidos só porque a vitória de Obama não foi mais
ampla, ambos põem em suspeição a eleição venezuelana apesar de o
sistema eleitoral do país sul-americano ser mais confiável do que o
do país norte-americano.
Até
aí, política é política e o debate público, por si só, dá
conta de pôr os pingos nos is. O problema é quando um comportamento
literalmente fascista dos derrotados na Venezuela, que não querem
aceitar a derrota, conta com a cumplicidade da imprensa brasileira.
Os
venezuelanos saberão resolver seus problemas, espera-se. Mas o nosso
talvez seja pior do que o deles, pois na Venezuela a censura se
tornou impossível devido à pluralidade da comunicação, que há
para todos os gostos.
O
comportamento dos derrotados na Venezuela vem sendo criminoso.
Capriles, inconformado com a derrota, exortou seus seguidores a irem
às ruas protestar contra uma vitória que, até prova em contrário,
foi legítima como a de Obama no ano passado.
Sendo
condescendente, pode-se aceitar que Capriles tenha perdido o controle
de seus seguidores e que os atos de violência que desencadearam por
toda Venezuela entre a madrugada de segunda-feira e a manhã de terça
não tenham sido orquestrados por ele.
Aliás,
ao recuar da manifestação que convocara para esta quarta-feira, o
candidato derrotado parece ter percebido que sua exortação aos seus
seguidores poderia leva-lo às barras da lei, porque sua primeira
convocação teve como saldo, até agora, sete mortos e incontáveis
atos de vandalismo por toda a Venezuela.
Uma
onda de vandalismo e violência tomou o país vizinho. Sete
seguidores de Nicolás Maduro foram assassinados nos estados Zulia,
Táchira e em Caracas, e 61 pessoas ficaram feridas, algumas com
gravidade.
Ao
todo, nove estados reportaram agressões de variados tipos. A mais
macabra, porém, foi a de um seguidor de Maduro que foi queimado
vivo.
Segundo
relatos do governo venezuelano, os assassinados tentaram defender
unidades dos programas sociais Pdval, CDI e Mercal, que oferecem de
atendimentos de saúde por médicos cubanos a venda de alimentos por
preços mais baratos que os do comércio.
Segundo
relatos do governo venezuelano, os estados atingidos pela onda de
violência foram Caracas, Carabobo, Miranda, Barinas, Mérida, Lara,
Táchira, Sucre e Zulia. Os primeiros ataques de seguidores de
Capriles foram aos CDIs, centros de atendimento médico.
Os
CDIs são dirigidos por médicos cubanos e até pacientes teriam sido
atacados.
Há
relatos, também, de ataques a tevês e rádios comunitárias
simpatizantes do governo. As tevês estatais Venezolana de Televisión
(VTV) e Telesur foram cercadas pelas hordas oposicionistas e só não
as atacaram porque a polícia interveio.
Várias
sedes do partido do governo, o Partido Socialista Unido da Venezuela
(PSUV), teriam sido depredadas e incendiadas. Praças públicas e
pontos de ônibus teriam sido destruídos. Entregas de alimentos nos
mercados do governo teriam sido impedidas e a mercadoria roubada pela
horda ensandecida.
O
governo venezuelano e incontáveis matérias nas tevês estatais
reportam que tudo que tivesse o logotipo do governo era atacado pelos
que, alegadamente, foram às ruas, sob instigação de Capriles, para
promover um “panelaço pacífico”.
As
redes estatais inclusive mostraram imagens de depredação nos
centros médicos do estado Miranda, governado por Capriles,
identificando-os como sendo os de La Limonera e de Trapichito. Esses
ataques teriam resultado em 3 mortos que tentaram defender as
instalações.
Outros
relatos dão conta de ataques no estado Carabobo, na cidade de
Valencia – onde este blogueiro esteve várias vezes a trabalho. Lá,
oito centros médicos teriam sido atacados e um deles, incendiado.
Os
mortos têm até nome. Um deles é o dirigente do PSUV Henry Rangel.
No estado Zulia, outro militante do PSUV foi assassinado diante da
sede do Conselho Nacional Eleitoral, quando os seguidores de Capriles
ali protestavam e a vítima os xingou. Em Caracas, o militante do
PSUV Luis Ponce também foi assassinado enquanto tentava defender o
centro médico de La Limonera.
Aliás,
o uso do condicional, aqui, é mera formalidade, pois a Telesur
mostrou imagens de depredações ao longo da última terça-feira e
135 agressores foram presos em flagrante.
Se
quiserem argumentar que é tudo invenção do governo, as imagens e
as centenas de testemunhas provam que violência houve. Podem, então,
argumentar que foi o governo que pôs hordas nas ruas para praticarem
violência e pôr a culpa na oposição, mas há gente presa em
flagrante, acusada de assassinatos e, segundo o governo, com
filmagens e fotos das agressões.
Seja
como for, haverá tempo de sobra para deslindar esses ataques. E a
extensa cobertura de redes de televisão e jornais internacionais
facilitará ainda mais o esclarecimento desses fatos.
O
que não se pode aceitar, porém, é que fatos dessa gravidade sejam
literalmente ocultados pela dita grande imprensa brasileira, que se
limitou a relatar que houve “choques” com “7 mortos” na
Venezuela por ação “dos dois lados”.
Não
há relatos de ataques promovidos pelo governo, não há depredações
de sedes de partidos de oposição, não há um só nome de um morto
da oposição, não há uma só imagem em foto ou vídeo de
governistas praticando violência ou vandalismo.
O
Jornal Nacional, em sua edição de terça-feira, ocultou tudo isso.
A Folha de São Paulo, na edição desta quarta-feira, não dá um só
detalhe sobre as vítimas fatais e sobre os atos dos oposicionistas.
Os outros grandes meios de comunicação brasileiros fizeram
exatamente o mesmo.
O
público desses veículos não sabe um dado crucial: todos os
assassinados são governistas. Todos.
Há
corpos, há nomes dos corpos e nenhum deles é da oposição. Há
sedes do partido do governo e unidades de programas sociais do
governo depredados e basta ir a eles e comprovar.
Inclusive,
o mero exercício da lógica permite entender que o governo não
teria por que promover uma farsa dessa magnitude, pois venceu a
eleição. A quem interessa o caos? Aos que perderam, claro. Ao
governo interessa a tranquilidade diante do resultado.
Grupos
de mídia como Organizações Globo, Grupo Folha, Grupo Estado,
Editora Abril vivem acusando quem pede regulação da mídia,
sobretudo o PT, de quererem “censura”. A crise na Venezuela,
porém, mostra quem não apenas quer, mas pratica censura no Brasil.
*Eduardo
Guimarães é presidente do Movimento dos Sem Mídia e editor do Blog
da Cidadania
Fonte:
Blog da Cidadania
0 comentários:
Postar um comentário