Marinheiro perseguido pela ditadura narra fugas, prisões e torturas
Depois do golpe, Antonio Duarte passou dois anos na clandestinidade (Foto: Daniella Cambaúva. RBA) |
Aquela ação não durou mais de cinco minutos. Às seis horas da tarde, depois de três anos de um planejamento minucioso, Antonio Duarte dos Santos e um grupo de nove colegas – entre eles seu irmão – conseguiram escapar da prisão de Ilha das Cobras. Com armas contrabandeadas, renderam os guardas da frente da prisão, entraram em um carro que parou na porta da penitenciária e sumiram pelas ruas do Rio de Janeiro. A fuga foi bem sucedida. Anoiteceu e o grupo não foi encontrado. Depois de driblar a segurança, trocaram o carro por uma Kombi e se esconderam na mata em Angra dos Reis. “Nós só tínhamos um lugar por onde eles nunca imaginam que a gente ia passar: pelo portão principal”, relembra o ex-marinheiro sobre aquele maio de 1969.
Duarte esperava aquele momento desde que havia sido escoltado pelos fuzileiros navais ao chegar na prisão. “Tentava lembrar-me da última vez em que tinha, sem maiores preocupações, vagabundeado pela Rua da Lapa, sentado à mesa do café, ao pé dos arcos”, relata em um de seus livros, “A luta dos marinheiros”. Seu crime: não concordou com a instauração do regime militar.
Nascido em Natal, Rio Grande do Norte, ingressou na Marinha em 1958, quando entrou para a Escola de Aprendizes de Marinheiros em Recife, Pernambuco. Em 1964, era marinheiro, servindo no Rio de Janeiro. Duarte nunca foi membro do Partido Comunista. Afirma que conhecia, respeitava, mas que seu único partido era a a luta travada contra a repressão da Administração Naval. Segundo ele, é possível estimar em 1.500 o número de marinheiros processados e perseguidos pela ditadura.
Antes do golpe, foi participante ativo da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, da qual José Anselmo dos Santos – cabo Anselmo – era presidente. Os dois serviram e militaram juntos, antes de Anselmo se tornar um colaborador da ditadura. Duarte foi um dos protagonistas da Rebelião dos Marinheiros, de 25 a 28 de março de 1964, movimento que serviu como um dos pretextos para o golpe. Antes mesmo de lutar por comunismo, argumenta ele, a luta do grupo era motivada por melhores condições de trabalho e de vida.
Com o golpe, os navios ficaram vazios e começou o processo de identificação de marinheiros que frequentavam o sindicato. “Fui expulso no dia 2 de abril. Eu não voltei mais, fiquei dois anos na ilegalidade até ser preso...”. Durante a clandestinidade, ficou em São Paulo com outros militares que tentavam articular uma forma de resistência armada, anos depois fracassada. “Fui morar em uma casa no Ipiranga, fui conspirar. Eles moravam em uma casa enorme no Ipiranga. Só tinha militar lá, tinha sargento, marinheiro, tinha uns dez militares lá”.
Foi quando, em junho de 1966, viajou ao Rio de Janeiro para executar uma tarefa da organização e foi preso. “Fui ajudar uma menina, irmã de um amigo. Ele não falou nada das condições do quarto. Quando estou lá dentro, chega o Senimar. Eles tinham falado para uma senhora que morava na frente 'se alguém chegar aqui tentando tirar alguma coisa desse quarto, a senhora me chama'. Para eles, foi uma alegria danada", lembra. Duarte tentou uma primeira fuga, sem sucesso, dando uma cotovelada em quem lhe segurava enquanto era transportado. “Corri, entrei no ônibus e disse pro motorista ir embora, e ele disse 'calma, estou manobrando'. Corri de novo e alguém colocou um pé na minha frente, tropecei e foram me pegar lá na Praça Mauá”. Desde então, passou a ser transportado sempre com algemas.
Foi levado então para a penitenciária Lemos Brito, onde ficou três anos. Depois foi julgado e condenado a 12 anos de prisão. “Foram dias abomináveis em que causas diversas pareciam sufocar os nossos desejos de renovação. As únicas pessoas que apoiavam aqueles lutadores anônimos no cárcere eram os estudantes que se comprometiam com aquela aventura revolucionária”, conta.
Foi então que lhe surgiu a ideia de escapar. Depois de sair, se refugiou primeiro em Cuba depois de sair da prisão, em 1969. Foi por Goiás, atravessou a Bolívia e seguiu para a ilha em um navio cubano. Depois se estabeleceu na Suécia. No exílio, se graduou em Antropologia na Universidade de Estocolmo. Passados dez anos, já quando havia anista, regressou ao Brasil. “Voltei porque eu queria lutar, achava que a luta ia continuar, de uma forma diferente. Mas não foi possível, não. É outro país, é outro mentalidade”, lamenta.
Fonte: Rede Brasil Atual
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