quarta-feira, 5 de junho de 2013

A morte justificada, mais um indígena tombado!

Igor Vitorino da Silva*

O silêncio cotidiano sobre o genocídio indígena no Mato Grosso do Sul tortura-me. O grito e ação política dos indígenas e de seus apoiadores ecoam para muitos cidadãos sul-mato-grossenses como ação infundada, despropositada e inconsequente. Mais do que a indiferença política e social, como acusam muitos militantes, aterroriza-me certa cumplicidade social com o uso da violência e a celebração do extermínio social, ou seja, aceita-se e enaltece-se socialmente a morte como solução para a questão indígena tanto no Mato Grosso do Sul como no resto do país.

Talvez, haja certo exagero na minha afirmação. Ou uma “cegueira política”, dirão os conversadores, alimentada pela indignação e revolta que sinto ao ver as notícias de indígenas assassinados ou de povos que foram expropriados das condições de construírem a sua vida livre e digna, mas não há como não perceber que os povos indígenas constituem os seres “matáveis” do desenvolvimentismo projetado pelo Estado Brasileiro em articulação com tecnocracias, grandes empresas, elites econômicas e oligarquias políticas locais-regionais.


A percepção social dos povos indígenas como entraves, gargalos, usurpadores, aproveitadores e bloqueadores do “sonhado progresso e desenvolvimento” minimiza e negligencia as forças sociais e políticas descomunais e perversas que lhes ceifam dia-a-dia o direito de viver em suas terras ancestrais. Essas imagens sociais depreciativas difundidas pedagogicamente, de maneira descontextualizada e generalizada, por parte das mídias nacional e local associadas aos interesses dos grandes proprietários, buscam descredibilizar socialmente a luta sediciosa e crítica dos indígenas. Não é à toa que se ouve gente simples ou bem educada pelos botecos e palácios de qualquer cidade do país afirmando: Invadiram a propriedade alheia!

Eles queriam o quê? Carinho? Tiveram o que mereciam. Esses bandos de marginais, bandidos, falaciosos! Tem que matar mesmo!

Oziel Gabriel será mais um? Transformá-lo-emos em mais um corpo a compor os índices do extermínio histórico da população indígena brasileira? Aceitaremos o discurso de que fora uma simples fatalidade?

Creio que o debate não pode paralisar-se na discussão sobre se as Forças Públicas de Segurança podiam ou não levado as armas para a desocupação, mas, sim, deve-se avançar na problematização (e visibilidade pública) se, realmente, o que levou ao seu uso foi a compreensão etnocidária, que é partilhada infelizmente por vários indivíduos e grupos sociais sul-mato-grossenses e brasileiros, de que o corpo indígena não vale nada e que é um corpo eliminável, um corpo que pode ser imolado em nome da sagrada propriedade e da soteriologia desenvolvimentista.

Esse holocausto está tão arraigado e justificado socialmente que não se discute e nem se percebe uma grande incoerência patente na imagem de indígenas, que resistem com pedras e foices às forças de segurança que exigem o cumprimento da ordem judicial com bombas de efeito moral, treinamento policial para momentos de crise e armas de fogos para “segurança” da tropa. E qual é a incoerência? Desproporcionalidade de força e organização entre a resistência indígena Terena e as forças de segurança pública. Desproporcionalidade vivida no dia da resistência que significa enfrentamento da violência dos jagunços, da estigmatização negativa da mídia, do preconceito social, do peso da corrupção e da articulação política e econômica de proprietários de terras com membros dos poderes judiciário, legislativo e executivo e a mídia nacional, denunciados diariamente por movimentos sociais, pesquisadores personalidades políticas e ONG’S.

A morte do indígena Terena Oziel Gabriel nos impõe uma grande questão política: houve incompetência e ineficiência das forças policiais ou uma operação de extermínio indígena? A justiça não se fará apenas punindo os culpados e apurando-se os fatos, mas, sim, produzindo ações que levem a sociedade brasileira a repudiar e a combater a prática social, corriqueira e rotineira, de eliminação física e social de indivíduos e grupos sociais indesejáveis ou descartáveis para o “bom funcionamento da vida social”.

Como construir uma ordem social democrática respeitada se alguns grupos sociais e indivíduos querem se colocar acima dela e colocar outros fora dela? Ou melhor, como falar em império da Lei se há cidadãos mais iguais do que os outros? Não seria essa a primeira violência a ser combatida? A violência do monopólio privado da Justiça e dos Direitos? Solidarizo-me com a população indígena sul-mato-grossense que resiste sem medo e destemor, dando a vida e o sangue, contra o poder instituído que lhes nega o direito de viver.

*Igor Vitorino da Silva é historiador e professor de História Campus Nova Andradina/IFMS, e especialista em gestão integrada em segurança pública.




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