O avanço do obscurantismo e os Direitos Humanos no Brasil
Manuela
D’ Ávila*
Muitos
acreditavam que a escolha do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) para a
presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias era um fato
politico isolado e ruim o bastante. Ledo engano. Essa eleição
impulsionou, em certo sentido, a organização e o encorajamento dos
setores fundamentalistas da bancada evangélica na Câmara dos
Deputados. Como resultado mais direto disso, uma pauta legislativa
que ameaça direitos humanos e traz retrocessos começa a avançar
nas comissões da Casa.
A
chamada “Cura Gay” (PDC 234/11) e o Estatuto do Nascituro
(PL478/2007) são dois desses projetos de lei em tramitação. O
primeiro trata homossexuais como doentes, ignorando as resoluções
da Organização Mundial de Saúde (OMS), as normas do Conselho
Nacional de Psicologia e até mesmo o bom senso. Por acaso, como bem
lembra o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), alguém já chegou ao
trabalho com um atestado médico para não trabalhar por estar “um
pouco gay?” Obviamente, não, pois ser homossexual não se trata de
doença e sim de orientação sexual. Como tal, não necessita de
remédio, mas de respeito.
O
segundo projeto, o Estatuto do Nascituro, aprovado recentemente na
Comissão de Finanças da Câmara, afronta direitos das mulheres e o
desenvolvimento científico no Brasil. Em síntese, a nova legislação
prevê a proteção integral de embriões por meio da lei civil e
penal do país. Para tanto, ignora o sofrimento das vítimas de
estupro, proíbe exames modernos para identificação de doenças no
pré-natal, coloca na ilegalidade métodos de reprodução assistida,
como o congelamento de embriões, e o trabalho científico com os
mesmos.
No
artigo 4º, por exemplo, está escrito: “É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta
prioridade, a expectativa do direito à vida, à saúde, à
alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência”. Mas quem garantirá o direito das vítimas de
estupro à saúde, ao respeito e à vida, por exemplo? Num único
dia, pelo menos 35 histórias de crimes sexuais contra mulheres se
repetem no Brasil. São 13 mil casos em 2011. São mulheres
violentadas de todas as formas (Mapa da Violência 2012 –
Homicídios de Mulheres no Brasil). Entre 2005 e 2010, registros de
estupro aumentaram 168% (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).
Para os defensores de Direitos Humanos, quando ocorre violência
sexual, o principal é priorizar a saúde da mulher em todas as
dimensões: física, psicológica e emocional. Se o estatuto for
aprovado, óvulos fecundados terão mais direitos do que mulheres
vítimas de estupro, que serão obrigadas a continuar a gestação. A
proposta criminaliza a interrupção da gravidez e cria a chamada
“bolsa-estupro”, estimulando financeiramente mulheres que
mantiverem a gestação. Já é comum ver a criminalização da
conduta da vítima que muitas vezes não denuncia a agressão por
medo e vergonha, e acabará ainda mais estigmatizada.
O
projeto é tão maquiavélico que a mulher que tiver a gravidez
interrompida acidentalmente será alvo de uma investigação
policial. No texto, há previsão de pena de detenção de um a três
anos para quem “causar culposamente a morte de nascituro”, ou
seja, ao cair de uma escada, por exemplo, e sofrer interrupção da
gestação, essa mulher será investigada.
Para
quem acredita que o desenvolvimento científico é aliado na busca de
saúde e na garantia de vida, o estatuto revela todo obscurantismo
dos setores fundamentalistas. Pelos artigos 1, 2 e 25 do projeto
original, ficam proibidas explicitamente técnicas de reprodução
assistida que auxiliam milhares de casais a gerarem novas vidas. Veda
também pesquisas com embriões. No artigo 25, consta a previsão de
detenção para quem “congelar, manipular ou utilizar nascituro
como material de experimentação”. E vai além, no artigo 11
(parágrafo 2º), ao proibir exames no pré-natal, que ajudam na
identificação de doenças genéticas, como a biópsia de vilo
corial.
Diante
do avanço de ideias tão retrógradas no Legislativo, defensores de
Direitos Humanos e da Ciência devem reforçar a luta para que o
Brasil aprofunde ainda mais a garantia de igualdade, firmando-se como
símbolo de respeito à diversidade, desenvolvimento humano e
inovação.
*Manuela
D’ Ávila é Deputada Federal pelo Rio Grande do Sul, líder do
PCdoB na Câmara dos Deputados
Fonte:
Sul21
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