O bico do voto distrital
J. Tramontini*
E o José Serra resolveu publicar um blog. Louvável, já que a internet tem sido um canal aberto a todas as concepções políticas, e assim deve ser. Mas, da mesma forma que os blogs publicam as mais diversas opiniões, devem conviver com as mais variadas contraposições.
Claro que, em sua visão de mundo, digamos, pitoresca, o tucano pôs no ar um blog “limpinho”, ao contrário dos milhares de blogs ditos “sujos” existentes, como ele tentou desqualificar as publicações destinadas a debater e opinar politicamente, com caráter progressista.
Logo na estréia, o rejeitado, agora blogueiro, já disse a que veio. Dessa vez a novidade é que não foram os seus jornalistas filiados que o enalteceram, mas sim o próprio, num misto de pretensão à predestinação divina e autobajulação.
Há um ditado popular que reza que “tudo que está ruim pode piorar”. Serra decidiu, dessa vez, ouvir a sabedoria do povo e, óbvio, piorou.
Decidiu defender, abertamente, o voto distrital. Como é de seu costume, evocou princípios democráticos e histórias de lutas do povo brasileiro para justificar suas idéias, que nada tem a ver com esses princípios ou lutas
A defesa feita pelo tucano chega ao absurdo de criar uma palavra de ordem: “eleições diretas para vereador”, como se o voto proporcional fosse indireto.
Vamos imaginar o voto distrital em funcionamento. Primeiramente devemos lembrar que nem todas as forças sociais teriam capacidade de lançar candidatos em todos os distritos. Mas, supondo que um partido lance todos os candidatos e conquiste 49% dos votos em todos os distritos, o que aconteceria? Esse partido, merecedor dos votos de praticamente metade da população da cidade não elegeria nenhum, isso mesmo, nenhum vereador. Já um outro partido que conquistasse 51% dos votos em todos os distritos, mesmo tendo o voto apenas da metade, teria direito a ocupar 100% das cadeiras da Câmara Municipal e, assim, decidir o destino das duas metades. É ou não uma nítida distorção da vontade popular?
Sem contar que, em um cenário de pluralidade de idéias e, consequentemente, de partidos, um candidato pode se sagrar vencedor com menos de 30% dos votos, ampliando a distorção. Também um eleitor que deseje votar em determinado projeto, representado por determinado partido, se veria simplesmente tolhido de seu direito, pelo mero fato de este projeto, por qualquer motivo, não apresentar candidato em seu distrito.
O que o emplumado defende é a institucionalização do curral. A ausência completa de projetos que pensem a cidade, e porque não o estado ou o país, de forma global. Mas sim pequenos feudos onde um cacique ou talvez uma celebridade possa dominar. Seria a vitória dos pequenos e mesquinhos objetivos pessoais em detrimento da vontade popular e dos projetos de sociedade.
Em uma democracia, digna desse nome, deve prevalecer sempre a vontade popular, na proporção da representatividade que cada projeto político detém na sociedade. Em uma democracia vale a vontade da maioria, porém, com respeito às minorias, buscando consensos em torno de projetos comuns, sem abrir mão das disputas em projetos antagônicos. Como a vida em sociedade é dinâmica, a política que hoje conta com apoio da maioria pode amanhã ser minoria.
De fato, é imprescindível para o desenvolvimento do Brasil, de sua democracia e de seu povo, que tenhamos uma ampla e profunda reforma política. No entanto, não se trata de qualquer reforma, mas de mudanças que possam efetivamente viabilizar maior participação dos cidadãos ditos comuns nos processos de decisão política.
Nesse sentido é necessário que os projetos políticos sejam superiores aos indivíduos, com o fortalecimento dos partidos, representantes das várias visões de mundo. Assim, institutos como a fidelidade partidária e o voto em lista pré-ordenada serão bem vindos.
Também é importante coibir as variadas formas de corrupção, que não passam da suplantação do interesse público por interesses privados. A melhor forma para isso é a instituição do financiamento público exclusivo de campanhas, impedindo que particulares “cobrem a fatura” após a eleição.
Os debates sobre a reforma política estão em andamento e tende a se acalorar. Com isso, as diversas visões sobre o país e, portanto, sobre suas instituições, vão se tornando cada vez mais aparentes.
As forças progressistas saíram na frente e apresentaram suas opiniões sobre o tema. Os contrários à maior participação do povo, como Serra, também têm, normalmente disfarçando suas reais intenções, se manifestado. Cabe agora a cada um emitir, claramente, sua opinião, fazendo assim com que aprimoremos e aprofundemos nossa própria democracia, segundo nossos próprios anseios.
*Jefferson Tramontini é membro da coordenação nacional dos Bancários Classistas, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil e autor do blog Classista
1 comentários:
Temos que lutar contra essa safadeza (um verdadeiro golpe) com todas as nossas forças.
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