Bolsa estupro: conservadorismo avança em comissão na Câmara
A
Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou, nesta
quarta-feira (5) a proposta do Estatuto do Nascituro que estabelece
proteção jurídica à criança que ainda vai nascer. O projeto, que
ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) antes de ser votado pelo Plenário, sofre sérias resistências
e fortes críticas do movimento feminista que vê na proposta,
defendida pela bancada evangélica, um retrocesso nas conquistas das
mulheres nos últimos anos.
O
parecer aprovado, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi pela
adequação financeira e orçamentária da proposta. Cunha apresentou
uma emenda determinando que as regras surtam efeitos financeiros a
partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da publicação da
lei originada da proposta.
O
texto estabelece que, se a mãe, vítima de estupro, não dispuser de
meios econômicos para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento
e da educação da criança, o Estado arcará com os custos até que
o pai-estuprador venha a ser identificado e responsabilizado por
pensão ou a criança venha a ser adotada.
O
deputado Afonso Florence (PT-BA) apresentou voto em separado contra o
projeto. “Se vai haver benefício de pagamento de prestação
continuada tem que se saber quantas pessoas serão beneficiadas, qual
o valor do benefício, qual o tempo previsto para esse desembolso,
qual a fonte de arrecadação, impacto orçamentário. Não há essa
previsão”, explicou o parlamentar. “Por isso apresentamos voto
em separado pela inadequação orçamentária do
projeto.”
Prejudicial
à saúde da mulher
As
organizações feministas, que são contrárias ao projeto e passaram
a chamar de Bolsa-Estupro, lançaram petição
para
mobilizar a sociedade contra a proposta. Já foram reunidas mais de
10 mil assinaturas e agora a mobilização conta com o apoio oficial
da plataforma, famosa por reunir milhares de assinaturas em causas
sociais.
“10
Razões pelas quais o “Estatuto do Nascituro”, Projeto de Lei nº.
478/2007, é prejudicial à saúde e aos Direitos Humanos das
Mulheres”
1.
Amplia a criminalização do abortamento para as situações que hoje
são permitidas por lei. Dificulta o acesso das mulheres ao aborto
legal, já bastante limitado no Brasil, e pode ser ainda mais
restringido caso este projeto de lei seja aprovado. Até as mulheres
que tem o direito ao acesso ao aborto previsto em lei seriam
criminalizadas, como nos casos de risco de vida e nos casos de
estupro, ou nos casos, recentemente autorizados pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), em que o feto sofre de anencefalia, anomalia grave
incompatível com a vida extrauterina.
2.
O projeto torna a maternidade compulsória mesmo para as vítimas de
estupro que serão obrigadas a suportar a gravidez resultante do
crime, agravando sobremaneira seu quadro de estresse pós-traumático,
o que põe em risco sua saúde mental. A situação é especialmente
preocupante considerando o grande número de crianças e
pré-adolescentes grávidas em decorrência de abuso sexual. Grande
maioria destas é vítima de abusos sexuais durante anos por parte de
pais, padrastos ou outros familiares. O projeto obrigaria vítimas de
pedofilia a suportar gestações que, além de traumáticas, são de
alto risco, pois seus corpos não estão completamente formados. É
uma situação análoga a da tortura, tratamento cruel, desumano e
degradante.
3.
Viola o direito à igualdade entre homens e mulheres. De acordo com o
projeto de lei, as mulheres grávidas passam a ser consideradas como
criminosas em potencial. Se uma mulher sofrer um abortamento
espontâneo –25% das gestantes podem sofrer abortamento espontâneo
no início da gravidez – em uma situação extrema, pode ser alvo
de uma investigação policial ou ser processada por ter violado o
direito à vida do embrião.
4.
Em especial, discrimina as mulheres em situação de maior
vulnerabilidade. Mulheres de baixa renda, negras, com pouca
escolaridade, jovens e com limitado acesso aos serviços de
planejamento reprodutivo seriam as mais afetadas. São essas mulheres
que correm maior risco de morrer de morte materna evitável por
complicações devido a abortos inseguros.
5.
Poderá contribuir para o aumento da morbidade e mortalidade materna
por abortos inseguros. O aborto inseguro é uma questão de Direitos
Humanos das mulheres e questão de saúde pública no Brasil, onde
anualmente quase duzentas mulheres morrem e milhares sofrem sequelas
devido a práticas clandestinas e não seguras. Está, portanto, na
contramão da tendência de revisão ou ampliação das leis
restritivas em relação ao aborto no mundo, como ocorreu
recentemente em Portugal, Colômbia, Uruguai, México e Espanha. As
evidências têm demonstrado que a simples proibição do aborto em
nada tem contribuído para diminuir sua prática, mas contribui para
o risco de aborto inseguro e clandestino.
6.
Viola os tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o
Brasil é signatário, que não protegem o direito à vida para fetos
e embriões. O projeto de lei confere proteção ao direito à vida
do embrião em detrimento às realidades concretas e materiais
vividas e enfrentadas por mulheres que possuem autonomia e são
titulares de direitos constitucionais à saúde, à liberdade, à
igualdade e à não discriminação. Viola os direitos fundamentais e
invioláveis à vida e à saúde das mulheres ao dar ‘’prioridade
absoluta’’ e ‘’proteção integral’’ ao embrião, proíbe
qualquer ato que ameace a continuidade da gravidez, mesmo que tal ato
seja necessário para preservar a saúde ou a vida da mulher. O
projeto prevê indevidamente extensão de direitos da pessoa humana
ao feto encontra-se no art. 8º, quando são estendidos ao nascituro
os mesmos direitos de uma criança. Trata-se de violação do
princípio da igualdade, pois está se aplicando tratamento idêntico
a situações diversas e sem qualquer critério de proporcionalidade.
A criança nascida e viva é uma pessoa humana, dotada de autonomia,
dignidade e capacidade de ser, estar e sentir no mundo, ainda que em
profunda dependência das figuras das pessoas adultas de sua família,
por ela responsáveis, e da comunidade em geral.
7.
Viola o princípio constitucional do Estado Laico. Os valores morais
das religiões vigentes, além de diversos, não devem influir na
vida sexual e reprodutiva privada das mulheres. Não existe consenso
científico sobre quando começa a vida. Elaborar lei que define que
a vida começa na concepção é impor tal idéia, que tem sua origem
em segmentos conservadores dogmáticos, sobre toda a população
brasileira, violando a separação entre igreja e estado, e a
liberdade religiosa dos que seguem outras doutrinas.
8.
O projeto ainda prevê uma bolsa para as mulheres vítimas de estupro
criarem seus filhos, porém esta bolsa só será viável se a mulher
denunciar o estupro. É, portanto, ineficiente, pois se sabe que
muitas mulheres não o denunciam por medo, vergonha, ou por conhecer
o agressor. Mesmo quando houver a adoção, as mulheres ainda levarão
adiante uma gravidez indesejada, sem que pos¬sam exercer a autonomia
reprodutiva criando uma situação análoga à da tortura. Haveria
aumento no número de recém-nascidos abandonados por mulheres sem
condições emocionais de criá-los.
9.
Cria barreiras para o acesso à contracepção. O projeto de lei pode
ser um obstáculo para o acesso a métodos contraceptivos, à
anticoncepção de emergência, sob o argumento da proteção ao
direito à vida do ovo, embrião ou feto.
10. O projeto de lei proibiria pesquisas com material embrionário. Sabe-se que o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas foi autorizado por decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2008. O STF decidiu que o direito à terapia com células-tronco é constitucional e integra o direito à saúde. Há sérias violações ao direito de liberdade da mulher gestante, à sua dignidade, autonomia, segurança e ao seu direito à saúde, visto que a legislação ora proposta termina por criar uma prevalência ou prioridade do embrião sobre a mulher, que se torna mero instrumento para viabilizar o nascimento com vida do nascituro.
Fonte:
Vermelho
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