sexta-feira, 7 de junho de 2013

Bolsa estupro: conservadorismo avança em comissão na Câmara


A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara aprovou, nesta quarta-feira (5) a proposta do Estatuto do Nascituro que estabelece proteção jurídica à criança que ainda vai nascer. O projeto, que ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser votado pelo Plenário, sofre sérias resistências e fortes críticas do movimento feminista que vê na proposta, defendida pela bancada evangélica, um retrocesso nas conquistas das mulheres nos últimos anos.


O parecer aprovado, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi pela adequação financeira e orçamentária da proposta. Cunha apresentou uma emenda determinando que as regras surtam efeitos financeiros a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da publicação da lei originada da proposta.

O texto estabelece que, se a mãe, vítima de estupro, não dispuser de meios econômicos para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos até que o pai-estuprador venha a ser identificado e responsabilizado por pensão ou a criança venha a ser adotada.

O deputado Afonso Florence (PT-BA) apresentou voto em separado contra o projeto. “Se vai haver benefício de pagamento de prestação continuada tem que se saber quantas pessoas serão beneficiadas, qual o valor do benefício, qual o tempo previsto para esse desembolso, qual a fonte de arrecadação, impacto orçamentário. Não há essa previsão”, explicou o parlamentar. “Por isso apresentamos voto em separado pela inadequação orçamentária do projeto.”

Prejudicial à saúde da mulher

As organizações feministas, que são contrárias ao projeto e passaram a chamar de Bolsa-Estupro, lançaram petição para mobilizar a sociedade contra a proposta. Já foram reunidas mais de 10 mil assinaturas e agora a mobilização conta com o apoio oficial da plataforma, famosa por reunir milhares de assinaturas em causas sociais.

10 Razões pelas quais o “Estatuto do Nascituro”, Projeto de Lei nº. 478/2007, é prejudicial à saúde e aos Direitos Humanos das Mulheres”

1. Amplia a criminalização do abortamento para as situações que hoje são permitidas por lei. Dificulta o acesso das mulheres ao aborto legal, já bastante limitado no Brasil, e pode ser ainda mais restringido caso este projeto de lei seja aprovado. Até as mulheres que tem o direito ao acesso ao aborto previsto em lei seriam criminalizadas, como nos casos de risco de vida e nos casos de estupro, ou nos casos, recentemente autorizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que o feto sofre de anencefalia, anomalia grave incompatível com a vida extrauterina.

2. O projeto torna a maternidade compulsória mesmo para as vítimas de estupro que serão obrigadas a suportar a gravidez resultante do crime, agravando sobremaneira seu quadro de estresse pós-traumático, o que põe em risco sua saúde mental. A situação é especialmente preocupante considerando o grande número de crianças e pré-adolescentes grávidas em decorrência de abuso sexual. Grande maioria destas é vítima de abusos sexuais durante anos por parte de pais, padrastos ou outros familiares. O projeto obrigaria vítimas de pedofilia a suportar gestações que, além de traumáticas, são de alto risco, pois seus corpos não estão completamente formados. É uma situação análoga a da tortura, tratamento cruel, desumano e degradante.

3. Viola o direito à igualdade entre homens e mulheres. De acordo com o projeto de lei, as mulheres grávidas passam a ser consideradas como criminosas em potencial. Se uma mulher sofrer um abortamento espontâneo –25% das gestantes podem sofrer abortamento espontâneo no início da gravidez – em uma situação extrema, pode ser alvo de uma investigação policial ou ser processada por ter violado o direito à vida do embrião.

4. Em especial, discrimina as mulheres em situação de maior vulnerabilidade. Mulheres de baixa renda, negras, com pouca escolaridade, jovens e com limitado acesso aos serviços de planejamento reprodutivo seriam as mais afetadas. São essas mulheres que correm maior risco de morrer de morte materna evitável por complicações devido a abortos inseguros.

5. Poderá contribuir para o aumento da morbidade e mortalidade materna por abortos inseguros. O aborto inseguro é uma questão de Direitos Humanos das mulheres e questão de saúde pública no Brasil, onde anualmente quase duzentas mulheres morrem e milhares sofrem sequelas devido a práticas clandestinas e não seguras. Está, portanto, na contramão da tendência de revisão ou ampliação das leis restritivas em relação ao aborto no mundo, como ocorreu recentemente em Portugal, Colômbia, Uruguai, México e Espanha. As evidências têm demonstrado que a simples proibição do aborto em nada tem contribuído para diminuir sua prática, mas contribui para o risco de aborto inseguro e clandestino.

6. Viola os tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, que não protegem o direito à vida para fetos e embriões. O projeto de lei confere proteção ao direito à vida do embrião em detrimento às realidades concretas e materiais vividas e enfrentadas por mulheres que possuem autonomia e são titulares de direitos constitucionais à saúde, à liberdade, à igualdade e à não discriminação. Viola os direitos fundamentais e invioláveis à vida e à saúde das mulheres ao dar ‘’prioridade absoluta’’ e ‘’proteção integral’’ ao embrião, proíbe qualquer ato que ameace a continuidade da gravidez, mesmo que tal ato seja necessário para preservar a saúde ou a vida da mulher. O projeto prevê indevidamente extensão de direitos da pessoa humana ao feto encontra-se no art. 8º, quando são estendidos ao nascituro os mesmos direitos de uma criança. Trata-se de violação do princípio da igualdade, pois está se aplicando tratamento idêntico a situações diversas e sem qualquer critério de proporcionalidade. A criança nascida e viva é uma pessoa humana, dotada de autonomia, dignidade e capacidade de ser, estar e sentir no mundo, ainda que em profunda dependência das figuras das pessoas adultas de sua família, por ela responsáveis, e da comunidade em geral.

7. Viola o princípio constitucional do Estado Laico. Os valores morais das religiões vigentes, além de diversos, não devem influir na vida sexual e reprodutiva privada das mulheres. Não existe consenso científico sobre quando começa a vida. Elaborar lei que define que a vida começa na concepção é impor tal idéia, que tem sua origem em segmentos conservadores dogmáticos, sobre toda a população brasileira, violando a separação entre igreja e estado, e a liberdade religiosa dos que seguem outras doutrinas.


8. O projeto ainda prevê uma bolsa para as mulheres vítimas de estupro criarem seus filhos, porém esta bolsa só será viável se a mulher denunciar o estupro. É, portanto, ineficiente, pois se sabe que muitas mulheres não o denunciam por medo, vergonha, ou por conhecer o agressor. Mesmo quando houver a adoção, as mulheres ainda levarão adiante uma gravidez indesejada, sem que pos¬sam exercer a autonomia reprodutiva criando uma situação análoga à da tortura. Haveria aumento no número de recém-nascidos abandonados por mulheres sem condições emocionais de criá-los. 

9. Cria barreiras para o acesso à contracepção. O projeto de lei pode ser um obstáculo para o acesso a métodos contraceptivos, à anticoncepção de emergência, sob o argumento da proteção ao direito à vida do ovo, embrião ou feto. 

10. O projeto de lei proibiria pesquisas com material embrionário. Sabe-se que o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas foi autorizado por decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2008. O STF decidiu que o direito à terapia com células-tronco é constitucional e integra o direito à saúde. Há sérias violações ao direito de liberdade da mulher gestante, à sua dignidade, autonomia, segurança e ao seu direito à saúde, visto que a legislação ora proposta termina por criar uma prevalência ou prioridade do embrião sobre a mulher, que se torna mero instrumento para viabilizar o nascimento com vida do nascituro.


Fonte: Vermelho

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