Estatuto do Nascituro: a mulher que se foda
Clara
Averbuck*
Hoje (05 de maio) o Estatuto do Nascituro foi aprovado na Comissão de Finanças.
Ainda
falta ser aprovado na Comissão de Justiça a no Plenário. Mas não
duvido nada que seja. Nunca ouviu falar do Estatuto do Nascituro?
Basicamente é o seguinte: um ÓVULO FECUNDADO vai ter mais direitos
do que eu, do que a sua mãe, do que a sua irmã e do que a minha
filha e todas as outras mulheres do Brasil. Se, digamos, minha filha
de nove anos fosse estuprada e engravidasse, não teria direito a
fazer um aborto; teria de manter o filho do agressor. Se caso não
tivesse recursos para sustentar a criança (!!!), o Estado se
responsabilizaria com a apelidada BOLSA ESTUPRO até os 18 anos do
filho - isso caso o estuprador não fosse identificado e
RESPONSABILIZADO. Aborto de anencéfalo? Esquece. Risco de vida pra
mãe? Foda-se a mãe. Trauma? Foda-se a mãe.
O
aborto ilegal já causa 22% das mortes maternas. Com essa
monstruosidade aprovada, é provável que esse número dobre,
triplique. Criminalizar o aborto não é solução.
Mas
isso é muito, muito pior. Até o "aborto culposo" querem
inventar. Sabe homicídio culposo, onde a pessoa não tem a intenção
de matar? Então. Vai ser a mesma coisa se a mulher abortar
acidentalmente. Ela será investigada. Imagina só perder um filho e
ainda ser suspeita disso?
Se
a mãe correr risco de vida e precisar de um tratamento que coloque
em perigo a vida do feto, ela será proibida de se tratar. Afinal, a
vida de um amontoado de células que ainda não nasceu, não tem
personalidade, não tem consciência, é evidentemente mais
importante do que a de uma mulher formada.
Vejamos
alguns dos artigos dessa aberração:
Art.1º
Esta lei dispõe sobre a proteção integral ao nascituro.
O
embrião, você quer dizer. O amontoado de células.
Art.
2º Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido. Pff.
Parágrafo
único. O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos
“in vitro”, os produzidos através de clonagem ou por outro meio
científica e eticamente aceito.
Quer
dizer, ATÉ UM CLONE é mais importante do que a vida da mãe.
Art.
4º É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao
nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida,
à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
SENHORES,
NÃO SEI SE VOCÊ SABEM, MAS ELE AINDA NÃO NASCEU.
Art.
9º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro,
privando-o da expectativa de algum direito, em razão do sexo, da
idade, da etnia, da origem, da deficiência física ou mental ou da
probabilidade de sobrevida.
E
a mãe que se foda.
Art.
10º O nascituro deficiente terá à sua disposição todos os meios
terapêuticos e profiláticos existentes para prevenir, reparar ou
minimizar sua deficiências, haja ou não expectativa de sobrevida
extra-uterina.
E
a mãe que se foda, depois de ter passado uma gestação inteira
sabendo que o filho não sobreviveria.
Art.
13 O nascituro concebido em um ato de violência sexual não sofrerá
qualquer discriminação ou restrição de direitos, assegurando-lhe,
ainda, os seguintes:
I
– direito prioritário à assistência pré-natal, com
acompanhamento psicológico da gestante;
II
– direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário
mínimo, até que complete dezoito anos;
III
– direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir
a criança após o nascimento.
Parágrafo
único. Se for identificado o genitor, será ele o responsável pela
pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo; se não
for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre
o Estado.
Quer
dizer: se uma menina for estuprada pelo próprio pai e engravidar,
ela vai ter que carregar o filho/irmão, parir, criar e ainda ter que
lidar com o pai de ambos, ou colocar o filho para adoção, como se
os orfanatos fossem lugares bacanérrimos, como se o processo de
adoção fosse algo fácil, como se isso tudo tivesse alguma conexão
com a realidade. Se uma mulher for estuprada por desconhecido, até
parece que vão caçar o cara para que ele dê pensão. Não sei o
que é pior, o Estado oferecer a pensão ou sugerirem que o
ESTUPRADOR pague pensão. Ele deveria estar preso, não deveria? Se
encontrado, o estuprador não seria preso, mas obrigado a sustentar
um filho? Vão querer visita obrigatória também? É completamente
fora da realidade. Completamente. É de uma falta de empatia que eu
nunca vi nessa vida. Obrigar uma mulher a carregar o fruto de uma
violência é acabar com a vida dela. Ou seja, mais uma vez: FODA-SE
A MÃE.
É
basicamente isso que diz o Estatuto do Nascituro: foda-se a mãe,
foda-se a mulher que sofreu violência, foda-se a vida delas. O que
importa é a vida que foi gerada.
E
isso é baseado em que, mesmo?
Crenças.
Crenças de que DEUS mandou essa vida. Gente, olha só, eu sou atéia,
eu não tenho DEUS ALGUM. Se você tem um deus e ele não quer que
você aborte, apenas NÃO ABORTE. Mas tire as suas idéias, as suas
crenças e essa violência toda do corpo das outras mulheres. Das
mulheres. De todas as mulheres.
O
Estado não pode mandar em nossos corpos.
Não
podemos aceitar. Não podemos nos calar. Não podemos deixar que os
fundamentalistas religiosos tomem assim esse país.
O
ESTADO DEVE SER LAICO.
Se
não lutarmos por isso, se não fizermos barulho, retrocederemos mais
e mais e mais até, sei lá, não podermos usar energia elétrica ou
remédios.
Conto
com vocês pra fazer um escarcéu.
*Clara Averbuck é escritora
Fonte:
Clara Averbuck
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